segunda-feira, 6 de julho de 2009

O Consenso de Pequim

Theotonio dos Santos*

Neste mês de setembro [artigo publicado originalmente em 2005] deve realizar-se na China mais uma reunião sobre o Consenso de Pequim. Esta designação surgiu de um artigo do ex-colunista do New York Times, Joshua Longo, que se converteu numa publicação extremamente interessante do Centro Europeu para a Pesquisa sobre a China, criado por Tony Blair. É evidente que este tema se encontra no centro do debate contemporâneo na China. Trata-se de definir o final do Consenso de Washington que Joseph Stiglitz tão bem prognosticou. O pós-Consenso de Washington será, sobretudo, um Consenso de Pequim.

Isto é evidente quando se considera o sucesso da experiência chinesa, que mantém perplexa a maior parte dos economistas do mundo. Esta perplexidade resulta do caráter do pensamento econômico dominante sob as premissas do neoliberalismo. Segundo este pensamento dominante, é impossível manter por um longo período uma taxa de crescimento sustentável sem produzir uma forte pressão inflacionária que conduziria ao fracasso desta política.

Entretanto, a China cresce mais de 9% ao ano há mais de 20 anos. E ao contrário de produzir pressões inflacionárias, diminuiu drasticamente o preço dos produtos industriais e de muitos serviços no mundo. E apesar de ter produzido uma pressão no preço das commodities, ao aumentar a demanda, este fenômeno não conseguiu produzir uma pressão inflacionária mundial. Pelo contrário, o mundo vive nos últimos anos (desde a década de 90) uma forte deflação mundial.

A explicação deste fenômeno vem da base tecnológica deste novo boom econômico mundial iniciado em 1994, configurando claramente uma nova fase A de uma onda longa do tipo daquelas encontradas pelo economista russo Kondratiev nos inícios dos anos 1920. Como o vinha destacando desde o ano de 1969, o mundo acabava de entrar em 1967-73 numa nova fase recessiva mundial cujo fim o previa para 1994-2001.

Esta nova onda de crescimento tem sua base na inovação tecnológica maciça iniciada neste momento, quando a taxa de lucro capitalista se recuperou nos Estados Unidos, que passou a arrastar a economia mundial em direção ao crescimento econômico acelerado, somente interrompido entre 2000 e 2002, em parte pelos fatores cíclicos internos, em parte pela desastrosa política monetária do Federal Reserve Board, que aumentou drasticamente a taxa de juros em 2000, de 3,5% a 6,5%, produzindo uma recessão perigosa que só pôde superar com uma baixa drástica da taxa de juros a 1% em 2004.

Nesta época, a economia americana já estava sob o domínio "conservador" ou, melhor dizendo, aventureiro, de George W. Bush, que elevou os déficit fiscal e cambial a níveis fantásticos e produziu uma alta taxa de crescimento concentrada principalmente nos gastos militares. A economia chinesa, que vinha crescendo neste contexto de expansão da demanda norte-americana, deu um novo salto para converter-se num pólo de demanda impressionante, sobretudo no mercado asiático já revolucionado no começo da década de 90 com a supervalorização do iene.

Esta supervalorização transformou o Japão no grande mercado alternativo à diminuição da demanda norte-americana, em consequência da desvalorização do dólar em 1990. Entretanto, durante a crise asiática de 1997, a não-desvalorização do iuan chinês, enquanto se desvalorizavam drasticamente todas as moedas asiáticas, deu origem a esta situação virtuosa na qual a China continuava ampliando suas vendas e seu superávit para os Estados Unidos enquanto ampliava seu mercado interno, transformando-se numa grande nação importadora do resto do mundo.

Estas circunstâncias transformam a China na mais importante economia da onda expansiva que se inaugurou em 1994. As razões são várias, e há neste momento uma verdadeira busca desesperada de explicações do fenômeno chinês. Mas uma coisa fica clara no momento atual: o êxito chinês e dos países do Sudeste Asiático que se recuperam dramaticamente da crise de 1997 está profundamente ligado à não-participação nos âmbitos econômicos do Consenso de Washington que levou a América Latina e a África à situação de recessão de longo prazo em que vivemos.

Em todos estes países encontramos uma forte intervenção do Estado em função do crescimento econômico, uma declarada política industrial a favor da inovação tecnológica, uma poderosa política educativa e de recursos humanos. Diga-se de passagem, como base destas políticas estão, evidentemente, as reformas agrárias de pós-segunda guerra mundial, a derrocada do imperialismo japonês, a "ameaça" da vitória comunista e a abertura do mercado norte-americano para neutralizar este "perigo".

O êxito chinês coloca sua economia e sua sociedade em um novo nível. Por sua dimensão e por sua importância demográfica e histórica, a China não é uma pequena "ameaça" de competição na economia mundial. Sua experiência econômica é um novo modelo? Talvez uma das características do novo Consenso de Washington signifique exatamente o contrário: a superação definitiva da idéia de modelos de desenvolvimento.

Cada país tem sua especificidade institucional, cultural e socioeconômica da qual deve partir para propor o desenvolvimento. Mas não há dúvida de que mais igualdade social, mais democracia e mais utilização do Estado como unificador de políticas de crescimento e desenvolvimento de recursos humanos podem ser definidos como as bases deste novo consenso.

Uma macroeconomia do crescimento com juros baixos, moeda relativamente desvalorizada para aproveitar a expansão do mercado mundial, políticas públicas austeras em seus gastos administrativos, mas generosas em seus gastos produtivos, devem servir de referência para este novo consenso. Uma economia política micro e macro, fundada numa visão institucional e social da economia, será outro elemento-chave deste consenso.

Não é sem razão que se convoca a formação de uma associação Internacional de Economia Política para abril de 2006, em Xangai. A China se movimenta para a ofensiva e considera inclusive a superioridade das soluções socialistas como uma das bases de seu êxito. Há novas discussões no horizonte da humanidade que talvez nos ofereçam alternativas importantes à tragédia mundial que o unilateralismo militarista e fundamentalista nos apresenta nestes dias.

(*) www.monitormercantil.com.br - 21/09/2005 - 16:09

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