sexta-feira, 3 de julho de 2009

Feliz 2006: a economia mundial chega ao auge

Artigo escrito no início do ano de 2006. Contudo, apesar de passados dois anos, o texto está mais atual do que nunca, e muito do que apontou somente agora tornaram-se fatidicamente muito claro. Theotonio dos Santos aponta que diante dos dados esse seria o último ano da fase de prosperidade econômica vivida na década de 2000. Os limites econômicos criados durante esse ciclo e mesmo mantidos e reforçados dariam origem ao fim do mesmo. Aponta também as mudanças surgidas nesse período e quais outras se fariam impor. C

Theotonio dos Santos

www.monitormercantil.com.br - 23/01/2006 - 19:01

Desde o início da década de 70 trabalhamos com a hipótese de que a partir de 1994 se iniciaria uma fase a das ondas longas de Kondratiev, caracterizada por uma retomada significativa do crescimento na economia mundial.

Vimos entre 1994 e 2000 o crescimento impressionante da economia estadunidense, sua interrupção no final de 2000 e a retomada do mesmo em 2002. Porém em 2003, 2004 e 2005, o impulso em direção ao crescimento assumiu um caráter de auge econômico que assusta os analistas não acostumados à teoria dos ciclos, curtos e longos.

O relatório anual das Nações Unidas (World Economic Situation and Prospects 2005) continua esta perplexidade ao lado do FMI, do Banco Mundial, da OCDE e de todas as instituições voltadas para a análise da conjuntura econômica mundial.

O organismo afirma em seu executive summary: "No começo de 2005, a recuperação cíclica na economia mundial alcançou seu zênite. O crescimento do Produto Bruto Mundial (PBM) alcançou 4% em 2004, comparado com 2,8% em 2003 e uma previsão de 3¾ para 2005. O crescimento nos países em desenvolvimento foi o mais rápido em mais de duas décadas, enquanto que a produção nas remanescentes economias de transição continua a crescer mais rapidamente que na maior parte dos outros grupos de países."

O mesmo otimismo encontramos no caso da América Latina, segundo o relatório anual da Cepal, que vê finalmente romper-se o bloqueio ao crescimento na região. Esta situação comum aos países em crescimento se explica, de acordo com os analistas das Nações Unidas, por três fatores: rápido crescimento do comércio de manufaturas, preços crescentes do petróleo e outras matérias-primas e commodities e, finalmente, condições mais calmas nos mercados financeiros internacionais, isto é, menores taxas de juros.

A verdade é que os fatores favoráveis à retomada do crescimento são globais. O aumento da taxa de lucro, em função da queda dos preços das máquinas e equipamentos e das vantagens derivadas da liquidação do pleno emprego nos anos 70 a 94, isto é, a rebaixa salarial das décadas de 70 a começo de 90.

A rebaixa do preço da mão-de-obra se deve à desvalorização dos capitais financeiros a partir de 1987, que leva à queda drástica da taxa de juros. Finalmente, a incorporação de um vasto universo de inovações tecnológicas acumuladas nos anos de recessão abre caminho a uma taxa de lucro crescente.

Tudo isto facilita uma tendência deflacionária mundial, iniciada nos anos 90. Ao mesmo tempo, rompem-se vários espaços monopólicos tradicionais, de dentro, mas principalmente de fora das economias centrais. Enquanto nos anos 70 temos a estagflação e nos 80 a tendência à hiperinflação, nos anos 90 vemos desaparecer as inflações de dois dígitos. Trata-se de fenômenos universais bem explorados pelos políticos locais que se apresentam como os magos do fim da hiperinflação.

A verdade é que a revolução científico-técnica vai abrindo caminho para uma nova fase de crescimento que demonstra o fantástico potencial de solução dos problemas mundiais que temos a nossa disposição e que se encontra nas mãos de uma minoria que se sente ameaçada por este desenvolvimento da tecnologia.

A manutenção dos limitados cenários institucionais, nos quais o neoliberalismo tem aprisionado o pensamento social contemporâneo, bloqueia o avanço das forças produtivas no mundo. Os bancos centrais e outras instituições do regime atual vão fazer tudo para conter este crescimento que, segundo eles, representa uma ameaça ao equilíbrio econômico, o qual é o ideal máximo do neoliberalismo como ideologia e doutrina.

Como a maioria dos povos deseja avançar e superar seus limites atuais, e como a revolução científico-técnica põe à disposição da humanidade os meios para fazê-lo, parece que a luta entre as forças do avanço e as do bloqueio alcançará níveis excepcionais nos próximos anos.

Como 2005 foi considerado um ano excepcional para a economia mundial, há alguma dúvida sobre a possibilidade de continuar um crescimento tão intenso e tão generalizado da economia. As razões são consideráveis. Teme-se, principalmente, as debilidades da locomotiva estadunidense, que apóia sua alta taxa de crescimento num enorme déficit fiscal, que só pode cobrir-se através dos excedentes comerciais obtidos pela China, Japão e outros países que investem em títulos da dívida pública estadunidense.

Entretanto, as mudanças científicas e tecnológicas que estão à disposição do sistema econômico atual são tão radicais que se torna muito difícil paralisar o impulso revolucionário que elas implicam. O sistema empresarial, baseado em comportamentos monopólicos tradicionais, se vê ameaçado pelo surgimento de novos centros de poder econômico.

O caso dos BRICAS, isto é, a idéia cada vez mais consensual de que o Brasil, a Rússia, a Índia e a China (e, acrescentamos a África do Sul) serão os grandes poderes econômicos da metade do século XXI, cria um contexto econômico muito especial. Entende-se, consequentemente, que está ameaçado o controle monopólico existente em vários setores. Isto é evidente nos ramos da tecnologia de ponta, onde surgem novos milionários em poucos anos, que destróem empresas muito poderosas em tempo recorde.

Porém mais graves ainda são as ameaças que nascem das economias emergentes. Elas podem incorporar novas tecnologias em tempo rapidíssimo e podem financiar a inovação e difusão dos novos produtos e das novas tecnologias em períodos muito curtos, valendo-se dos enormes excedentes financeiros gerados pelos superávits comerciais.

É claro que falta às burguesias locais a ousadia para sustentar políticas tão revolucionárias. Mas encontramos na burocracia civil e militar, nos movimentos populares e em setores da intelectualidade, vontade política para aproveitar-se da oportunidade tão excepcional. Não faltarão também capitais internacionais que se disponham a jogar as cartas destas classes ou setores de classe, quando dispõem de um poder estatal sólido com forte apoio popular.

O caso chinês é espetacular. Ao dispor de uma direção política centralizada, um projeto de desenvolvimento mais ou menos bem articulado e um entusiasmo popular enorme por seus resultados, põe em xeque setores inteiros da economia mundial.

Por isso é tão mesquinho e decepcionante observar a atitude timorata das elites locais latino-americanas diante das perspectivas abertas por esta nova onda expansiva mundial. Elas continuam dominadas por princípios teóricos superados por um liberalismo arcaico e derrotado pelos povos da região, que não se deixaram enganar pelo gigantesco aparato midiático que tentou vender o neoliberalismo para estas populações.

É muito decepcionante ver como o crescimento da América Latina revela níveis tão baixos quando o resto do mundo, principalmente o sudeste asiático, apresenta altíssimos níveis de crescimento e desenvolvimento econômico.

Dentro da América Latina chama a atenção o caso brasileiro. O Brasil seria inegavelmente um dos países mais capacitados para assumir um papel de ponta nesta onda de recuperação mundial. E poderia arrastar consigo quase toda a região. Sua política externa aponta para isso. O sucesso de suas iniciativas de negociação firme com os países centrais o tem demonstrado.

Por trás desta política existe um organismo de Estado, o Ministério de Relações Exteriores do Brasil, que formou gerações de disciplinados diplomatas. Quando esta capacidade institucional encontra um ambiente político adequado e uma liderança ousada e decidida, pode realizar uma ação internacional muito superior a suas forças imediatas.

Por trás desta política está também o pensamento social latino-americano, que cumpriu um papel fundamental na compreensão dos problemas do sistema econômico mundial de nossos países e dos países periféricos em geral.

São muitos os campos em que temos potenciais que devem e podem ser despertados, se optássemos decididamente por uma política econômica voltada para o crescimento, a distribuição da renda e a formação de recursos humanos.

Não é sem razão que se planeja uma grande campanha de uma parte consequente dos empresários brasileiros, com forte apoio em todos os setores da sociedade, para romper definitivamente com o pensamento econômico conservador e restabelecer uma política de crescimento e de desenvolvimento econômico. A seu lado, e de maneira independente, um crescente setor da esquerda e de centro-esquerda planeja uma ofensiva similar.

Quando isto se alia aos resultados eleitorais cada vez mais desafiantes da região latino-americana, podemos assegurar que teremos um feliz 2006. Se não pelos resultados finais que realizará, pelo menos o será pelas novas idéias, movimentos e iniciativas na que trará.

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