terça-feira, 7 de julho de 2009

Neodesenvolvimentismo: para onde vamos?

artigo escrito em 2004 - agora mais atual ainda

Theotonio dos Santos


O debate sobre o desenvolvimento volta a ocupar uma posição central nas ciências sociais e na política latino-americana. Ele se situa hoje no quadro de uma oposição entre as políticas de desenvolvimento e o domínio do capital financeiro assentado numa "ortodoxia" monetarista bastante discutível pelos efeitos negativos que produziu na região.

É muito interessante constatar a preocupação crescente da região com a questão do chamado "desenvolvimento econômico-social". Na realidade, está na ordem do dia a retomada do crescimento econômico numa região que se caracterizou por um alto padrão de crescimento nos anos 30 a 70 do século XX. Ao mesmo tempo, nas décadas de 80 e 90 e começo do século XXI, temos uma queda colossal de nosso nível de crescimento, que se faz muitas vezes inferior ao crescimento da população, configurando uma queda da renda per capita.

É evidente que o declínio do crescimento está ligado ao aumento da dívida externa produzido no final dos anos 70 e começo dos 80, como resultado da renegociação das dívidas anteriores a altíssimas taxas de juros internacionais. Durante a década de 80 enviamos milhares de milhões em pagamento de juros. Para conseguir isso nos submetemos ao chamado "ajuste estrutural", que consistia no aumento de nosso superávit comercial para pagar estes juros.

É patente o conteúdo social negativo desta política de contenção da demanda interna, particularmente dos salários e dos gastos públicos. Para pôr em prática políticas tão impopulares, necessitou-se de ditaduras militares ou governos de força em geral, rompeu-se o impulso de desenvolvimento do capital industrial nascente e de uma classe média que apostava na expansão da economia e no desenvolvimento de novas atividades econômicas. Consolidava-se, assim, o quadro de "reação" contra as formas mais avançadas de desenvolvimento sócioeconômico, iniciado com o regime militar no Brasil, em 1964, através do qual se selou um compromisso de sangue entre o capital industrial nascente e os interesses do capital internacional em toda a região.

As renegociações sobre a dívida externa, iniciadas no período de 1986 a 1990, permitiram desafogar, em parte, esta situação com a diminuição da taxa de juros nos Estados Unidos e as concessões realizadas finalmente pelos credores, apoiados por seus Estados nacionais, cada vez mais submetidos aos interesses do capital financeiro.

O chamado Consenso de Washington, que se concebeu em 1989, abriu caminho para uma nova aventura econômica da região. Quando a taxa de juros mundial caía drasticamente, optávamos por uma política de aumento da taxa de juros interna para atrair capitais do resto do mundo com o objetivo de cobrir um déficit comercial que geramos com políticas econômicas de supervalorização cambial.

Os capitais financeiros de curto prazo vieram rapidamente para expropriar nossas reservas acumuladas com a suspensão do pagamento de juros. Não bastando tais vantagens, exigiram também a venda de nossas empresas públicas para abrir caminho aos setores econômicos com novas tecnologias a ser implantadas e, portanto, com alta rentabilidade obtidas a partir do monopólio tecnológico. A telefonia e as comunicações, a eletricidade e as fontes de energia, em geral, as matérias-primas, foram os centros desta entrega de riquezas em troca de nada. Os recursos incorporados às entradas fiscais foram rapidamente absorvidos pelo pagamento de colossais taxas de juros internas aos capitais atraídos.

Estas desgraças foram sentidas drasticamente pela população que, depois de uns períodos de ilusão causados pela entrada de importações e capitais de curto prazo e pelos efeitos deflacionários da política econômica vigente em todo o mundo, finalmente votou maciçamente contra as políticas do consenso de Washington.

Com o tempo, o que ficou foram os cofres vazios de nossos governos, as dívidas externas crescentes quando saíam maciçamente os capitais aqui entrados, a queda drástica da renda nacional. Mas o mais dramático é o esforço para manter as altas taxas de juros quando já não há reservas nem empresas para vender. Elas não conseguem atrair capitais do exterior e alimentam um gigantesco sistema financeiro criado em torno da dívida pública, fonte de transferência de recursos da população para os especuladores, convertidos em senhores da nação através de um mecanismo chamado de "mercado", isto é, a opinião de um grupo de especuladores.


O que acontece no momento atual é a luta do capital produtivo para livrar-se deste sistema de sucção de recursos. Mas estes setores do capital produtivo se comprometeram muito seriamente com essas políticas em suas fases virtuosas para os capitais, em geral. Agora têm dificuldade de apresentar uma resistência política aos epígonos do capital financeiro que se expõem diante da nação como inimigos de todo o povo. Na falta de líderes progressistas próprios, têm que buscar uma aliança com as forças populares organizadas e suas expressões políticas para apresentar um programa com alguma consistência e apoio popular.

Estas são as motivações do neodesenvolvimentismo. Mas a seu lado estão também as motivações da maioria da população. Cabe às forças populares - que sofreram dolorosas experiências nestes anos de degeneração econômica - aproveitar-se da oportunidade para ampliar seus objetivos táticos e produzir um programa de transformações sociais e econômicas que abram caminho a uma etapa superior para a região.

www.monitormercantil.com.br - 28/09/2004 - 18:09

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