segunda-feira, 20 de julho de 2009

A Academia e a política econômica

www.monitormercantil.com.br - 16/02/2004 - 20:02

Theotonio dos Santos

A Universidade de Chicago abriga, desde o pós-guerra, um grupo de economistas que foi drasticamente afastado da vida administrativa e política pelo atraso das idéias que defendem, por sua falta de realismo e pela impossibilidade de transformar em políticas efetivas suas teses acadêmicas, baseadas na filosofia econômica do século XVIII.


Em 1973, o governo fascista de Augusto Pinochet, apoiado numa concepção ultra-reacionária do econômico e político, entregou o destino do povo chileno a estes acadêmicos desprestigiados da escola de Chicago, que podiam atuar com plena liberdade, a partir de uma situação de terra arrasada, conseguida através de um golpe de Estado sangrento e de um regime de terror permanente.


Já explicamos em outras oportunidades como a economia chilena pôde, apesar das políticas econômicas absurdas a que foi submetida, aproveitar-se da nacionalização do cobre, da reforma agrária e da distribuição de renda, todas elas realizadas nos governos reformista de Eduardo Frey e revolucionário de Salvador Allende.


Apesar disso e das graves crises pelas quais passou o Chile, que regressou à condição de exportador de produtos básicos, um enorme trabalho de marketing conseguiu apresentar esta política como exemplo a ser seguido. A Sra. Thatcher e o ator Ronald Reagan se encarregaram de levar para as economias centrais essas políticas consideradas bem sucedidas.


Claro que os desmoralizados economistas do Fundo Monetário Internacional, que não conseguiam encontrar apoio em nenhuma parte, se juntaram às idéias monetaristas dos acadêmicos de Chicago, agora defendidas em teses pelos chefes de governo dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, e as transformaram em obrigação contratual dos países endividados com a "serpente monetária" da década de 70 e o fantástico aumento da liquidez mundial proporcionada pelos petrodólares.


Com o tempo, apesar do fracasso dos governos Thatcher (que fez a Inglaterra retroceder de quinta a sexta, e hoje nona potência mundial) e Reagan (que levou os Estados Unidos ao maior déficit fiscal e comercial da história, convertendo-os no maior devedor mundial, depois de ter sido o principal país credor, sem falar da terrível crise econômica de 1989 a 1992, que fechou o governo de seu vice-presidente George Bush), estas doutrinas acadêmicas se converteram não somente em doutrina econômica oficial de vários países, mas também num "pensamento único" ao qual ninguém podia contradizer.


Trata-se de um caso em que teses acadêmicas, cuja aplicação sempre foi muito discutível por seu total desacordo com a realidade, se transformam em doutrina de Estado, principalmente pelo fracasso das fórmulas keynesianas que haviam preponderado no pensamento econômico entre a Segunda Guerra Mundial e a crise do dólar de 1972, e a crise do stalinismo, confundido sempre com o destino do socialismo que os ultraliberais da escola de Chicago sempre identificaram com os keynesianos e os stalinistas.


Ao mesmo tempo, os defensores deste ultraliberalismo, reunidos todo o ano em Mont Pèllerin, Suíça, conseguiram expandir-se para várias universidades e obtiveram respaldo nos bancos centrais de vários países, até converter-se num universo teórico similar ao papel que representaram na Idade Média os escolásticos, que se identificaram com a burocracia eclesiástica, convertendo-se no pesadelo dos novos aventureiros burgueses que rompiam com o imobilismo medieval e abriam caminho para a moderna revolução científica e tecnológica, que se aliou à revolução comercial patrocinada pelo capital comercial e financeiro que rompeu com a classe média.


Estes senhores conseguiam provar que o sol girava ao redor da Terra, que a Terra não era redonda e, sim, plana, e tantas outras barbaridades que impediam o avanço da humanidade. Da mesma forma, estes senhores conseguem hoje em dia introduzir na cabeça das pessoas, principalmente dos políticos temerosos de romper as estruturas burocráticas, que o pretenso rigor monetário é mais importante que o crescimento econômico, que a inflação é a inimiga principal da economia, que apesar do enorme crescimento da produtividade não podemos aumentar o tempo livre dos trabalhadores e as políticas sociais que subsidiam os aposentados, as crianças e os jovens estudantes.


Raras vezes na história o pensamento acadêmico, de qualidade bastante discutível, diga-se de passagem, teve tanta influência nas políticas, particularmente na política econômica, que condiciona todas as outras políticas ao determinar a distribuição dos recursos públicos. Na realidade, apesar de não poder fazê-lo muito coerentemente, os ultra ou neoliberais tomaram claramente partido dos interesses financeiros dominantes no mundo atual.


De maneira audaz, sacrificam suas teses básicas sempre que entram em choque com os interesses dominantes do setor financeiro. Souberam converter certas equações básicas da economia neoclássica em instrumento de terror intelectual. Em nome delas, conseguem justificar sempre o aumento das taxas de juros, a expansão das dívidas públicas em substituição da emissão de moeda, o livre comércio, sempre moderado pelos subsídios aos setores políticos com os lobbies mais fortes, ao mesmo tempo em que insistem no caráter monopolista e corporativista dos sindicatos, exigindo políticas trabalhistas que os debilitem e que debilitem os direitos trabalhistas alcançados nos períodos de expansão econômica e reforma social, como o welfare state dos anos dourados do capitalismo pós-Segunda Guerra Mundial.


Os anos de hegemonia neoliberal significaram um aumento gigantesco dos desequilíbrios econômicos mundiais, sempre a favor do capital financeiro, da concentração da renda e da distribuição da renda mundial, da exclusão social e do aumento da pobreza.


A América Latina e a África foram as regiões do mundo que se submeteram realmente às políticas neoliberais. Elas abriram seus mercados, fortaleceram suas moedas quando obtiveram reservas construídas a partir da suspensão do pagamento do serviço das dívidas externas no final do anos 80, gerando, consequentemente, enormes déficits comerciais, que procuraram compensar o aumento das taxas de juro pagas internamente "para deter a inflação e para atrair capitais do exterior". Como conseqüência, se transformaram em prisioneiros do capital de curto prazo e debilitaram suas políticas públicas a favor do endividamento fiscal e do aumento do pagamento de juros.


Os fatos comprovaram o que qualquer bom economista sabia: as políticas monetaristas levariam nossos países ao aumento da dependência, da concentração e da exclusão. Sobre essas discussões recomendamos nosso livro A Teoria da Dependência: Balanço e Perspectiva. Um pouco de conhecimento acadêmico teria evitado o desastre econômico ao qual se submeteu a América Latina nos últimos 20 anos, condenada à estagnação econômica e à perda de poder no comércio e na economia mundial.


E não falemos da África, que se afogou na fome e na violência tribal, como resultado inevitável das políticas do FMI e do Banco Mundial que a fez retroceder à condição de exportadora de matérias-primas, que destruiu suas universidades recém-criadas e que a entregaram aos interesses do capital de curto prazo, enquanto destruíam seus primeiros esforços para a construção de seus Estados nacionais, depois da vitória contra os colonizadores.


Pois bem, senhores, depois de tudo isso, a que conclusão poderíamos chegar? Que o academicismo do pensamento neoliberal, que apóiam as políticas do FMI, do Bird e seus acólitos, sob a inspiração do tesouro estadunidense, é o grande problema para a execução de políticas econômicas realistas que nos permitam incorporar a revolução científico-tecnológica que conseguiu uma grande expansão da economia mundial nos últimos anos.


O desenvolvimento econômico é a única política realista na conjuntura atual. Para que funcione, é necessário, principalmente, que baixem as taxas de juros mundial. O que vem ocorrendo sistematicamente desde os anos 90, exceto pelas arbitrárias tentativas dos bancos centrais, dominados por neoliberais, de conter o crescimento e uma inflação inexistente. A partir de 2003, frente ao fracasso de suas políticas de aumento das taxas de juros, que conduziram à recessão mundial, se vêm obrigados a baixá-las drasticamente.


Está, pois, claro onde estão os "acadêmicos", ou melhor, os "escolásticos", e onde estão os pragmáticos e teoricamente mais corretos. Há pouco o presidente Lula fez afirmações totalmente contrárias a essas análises. Para ele, os "acadêmicos" são os empresários que o apoiaram eleitoralmente e agora criticam duramente suas políticas enquadradas nos princípios do FMI, os economistas das mais diversas orientações que apoiaram o PT e as forças que os elegeram, os investidores que aplaudem suas políticas de "estabilidade fiscal", mas não investem dinheiro no país até baixarem as taxas de juro e voltar o crescimento.


E os "políticos" e "realistas" são uma equipe de tecnocratas recém-saídos ou recém-aderidos ao neoliberalismo, que procuram aplicar os manuais que aprenderam nas universidades norte-americanas e nas eternas recomendações do FMI à complexa realidade brasileira. Eu recomendaria ao companheiro Lula que revisse seu conceito do que ele chama pejorativamente de "acadêmico", e passe a escutar os empresários, políticos e dirigentes sociais que o apoiaram nas últimas eleições. Estou certo de que ele e o povo brasileiro ganhariam muito com essa correção de enfoque.

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