BOLIVAR
THEOTONIO DOS SANTOS*
Simón Bolivar liderou a libertação
do maior complexo colonial que conheceu o mundo moderno: as
terras e
povos de todas as Américas dominadas pelo grande Imperio
Espanhol.
Isto representava um continente inteiro, exceto o Brasil sob o
domínio de Portugal que foi irmão e parceiro destas lutas
independentistas e possível aliado desta gesta, exceto ainda o
grupo
de provincias que se libertou da Gran Bretanha já no século
XVIII e
alguns caso de menor impacto. Neste livro reunimos alguns textos
fundamentais que refletem o pensamento polítido de Bolivar. Ele
chegou a propor um verdadeiro projeto político que até hoje
representa uma referência fundamental para nossos povos.
Bolivar, o
líder da gesta revolucionária que libertou toda a região do
domínio do império espanhol se revela também como um pensador
profundo, capaz de antecipar os caminhos da luta histórica ainda
em
marcha pela afirmação e independencia dos povos
latinoamericanos.
Ele mostrou por exemplo os limites
do
nosso conhecimento sobre nós mesmos devido a debilidade de
nossas
fontes estatísticas e de estudos históricos e análises sobre a
região. Por isto, ele tinha clareza de que só podia oferecer
“conjeturas mais ou menos aproximadas” desta realidade pois
temos
que considerar também a diversidade geográfica, económica,
social,
política e cultural assim como as “vicissitudes da guerra e os
cálculos da política”. Esta advertência não o impede contudo de
realizar análises de uma atualidade espantosa sobre o conjunto
da
região.
Nestes textos Bolivar parte
sobretudo
da grande unidade problemática da região: a condição colonial.
Depois de apresentar, com grande rigor analítico, a violência
protagonisada pela aventura conquistadora imposta pela força, a
destruição cultural, a sanha assassina para com os povos
originários. Ele mostra contudo como os europeus mandados para
as
colônias foram incorporados a esta condição de inferioridade e
subordinação que os impedia de alcançar o pleno desenvolvimento
de
sua capacidade de gestão e organização autónoma de sua
realidade.
É especialmente elaborada a sua
compreensão da complexidade da gesta independentista, das
distintas
fórmulas políticas e culturais que assume o processo histórico
nestas condições muito particulares. Suas análises sobre as
possíveis configurações nacionais e regionais que assumiria a
luta
pela independencia estão ainda hoje em marcha. Bolívar nos
mostra
inclusive que a oportunidade de avançar na direção de nossa
completa soberania é a crise dos centros de poder mundial.
Podemos
entender os avanços que fizemos no começo do século XXI aos
evidentes movimentos globais de queda do centro hegemônico
estadunidense.
Por fim, gostaria de ressaltar as
análises de Bolivar sobre a composição social das forças que
apoiavam e ainda apoiam a manutenção da condição colonial e
aquelas que se insurgem contra esta situação desmoralizadora que
impede o pleno desenvolvimento do ser humano. Seja pela
submissão
internacional, seja pela submissão étnica, seja pela exploração
através dos mecanismos sociais como o escravidão e formas de
servidão, assim como a eliminação pura e simples dos povos que
se
recusam a adaptar-se às condições de dependência.
Poderíamos talvez apontar outros
aspectos importantes e atuais de Bolívar, como a sua notável
análise do papel da religiosidade como no caso da Virgem de
Guadalupe no México. Temos realmente um líder histórico
excepcional cuja leitura nos enche de conhecimentos através da
compreensão de nossa realidade e a decisão de transformar em
realidade as potencialidades que representa este impressionantes
fenômeno histórico que representou a descoberta da América e o
dominínio crescente da navegação marinha. Esta aventura violenta
e
abjeta muitas vezes termina abrindo caminho para um povo ou uns
povos
cujo papel histórico ele espera será fundamental para a criação
de uma nova humanidade e uma nova civilização planetária na qual
todas as civilizações e todos os povos encontrarão seu abrigo.
Bolivar é assim não só o líder
militar, político e moral da libertação da América Latina que
ganha um papel novo nos nossos dias com a criação da UNASUL, da
CELAC e da ALBA, ele foi também o pensador mais consequente
desta
unidade. Uma luz intelectual, moral, política, estratégica e
humana
que ilumina o caminho desta saga que assume seu auge há 200 anos
atráz, a favor dos mesmos povos explorados e atacados pelos
mesmos
herdeiros da submissão covarde aos poderosos de ocasião.
(*) Premio Mundial Economista
Marxiano
– 2013 - WAPE; Pesquisador visitante nacional senior da UERJ;
Professor Emérito da UFF; Presidente da Cátedra UNESCO de
Economia
Global e Desenvolvimento Sustentável – REGGEN – IFHT-UERJ;
Presidente do Conselho do CEPPES.
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