Quem acredita nos falsos defensores da livre imprensa deve tomar em consideração esta e outras manifestações do cerco à modesta imprensa alternativa no país e no mundo.
Por que Outras Palavras está fora do ar
Rede criminosa que pratica golpes via internet derruba sites que a denunciam. Polícia Federal não age; mídia comercial está silenciosa
Desde a noite de terça-feira (12/3), os sites do projeto Outras Palavras estão sofrendo o terceiro ataque, em oito meses. Estão fora do ar a revista (www.outraspalavras.net), o espaço Outras Mídias (ponto.outraspalavras.net) e o blog da redação (rede.outraspalavras.net/pontodecultura). Ao contrário dos episódios anteriores, desta vez há indícios muito claros sobre a identidade dos agressores – que estão atingindo diversos outros pontos da internet, há mais de uma semana. Mas, paradoxalmente, parece mais difícil enfrentá-los – porque os órgãos que deveriam garantir a segurança do ciberespaço não agem e a mídia comercial calou-se.
O ataque contra nós começou por volta da meia-noite de ontem, depois de reproduzirmos, em Outras Mídias, um post do blog de Luís Nassif, comemorando (certamente antes da hora...) o início do desbaratamento da rede criminosa TelexFree, que aplica golpes pela internet. Horas mais tarde, o servidor que nos hospeda passou a receber um volume absurdo de solicitações de acesso, que consumiu memória vinte vezes superior à disponível e o derrubou. Programado para reiniciar automaticamente, sempre que isso acontece, ele vem sendo derrubado inúmeras vezes, desde então. O resultado prático é que cerca de 95% das tentativas de acessá-lo resultam em erro; e atualizá-lo torna-se impossível, por exigir uma série de operações em sequência ininterrupta.
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Assim como Outras Palavras, diversas publicações – todas ligadas às novas mídias alternativas – sofreram o mesmo tipo de ataque. Neste exato momento (13/3, 18h40), está também fora do ar o site da revista Carta Capital. Entre a última quinta-feira (7/3) e ontem, o blog de Luís Nassif viveu dias seguidos inoperante ou em instabilidade permanente. A onda de agressões começou logo depois de Nassif reproduzir denúncia do blog Acerto de Contas, que escancarava o esquema do TelexFree e o qualificava como “a maior fraude financeira da história do Brasil”. O tipo de reação que surgiu desde então sugere tratar-se de uma organização criminosa, que procura calar os que a denunciam para continuar praticando seus golpes.
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A fraude praticada pelo TelexFree foi dissecada por Luís Nassif neste post. Trata-se da transposição, para a internet, do velho golpe da “pirâmide financeira”, conhecido e tipificado como estelionato há décadas – no Brasil e em muitos países. Milhões de internautas receberam, nas últimas semanas, mensagens que os convidam a depositar R$ 2 na conta de seis pessoas e receber, em pouco tempo, R$ 300 mil (o autor deste texto recebeu duas delas, em 9/3, intituladas “acredite: não é pegadinha” e “leiam com calma”). Como demonstrou Nassif, a corrente só funcionaria na hipótese fantástica de envolver, em pouco tempo, uma população muito superior à da Terra – e de continuar se expandindo indefinidamente. Até que isso ocorra, são beneficiados apenas os próprios iniciadores do esquema. Graças ao poder de difusão da internet, eles podem receber milhões de doações de R$ 12.
Há, porém, uma particularidade. Nassif desconfia que, ao contrário do que ocorria com tais na era do dinheiro miúdo remetido em envelopes, pelo correio, nesta fase há o dedo do crime organizado. Para que o esquema chegue a milhões de usuários, é preciso mobilizar uma rede de replicadores. Também é necessário contabilizar os “rendimentos” alcançados por cada replicador e remunerá-lo. Tudo isso exige sofisticação e sistemas. Nassif calcula que a TelexFree, cuja propriedade está envolta em névoas, teria movimentado R$ 300 milhões, em 2012. Num novo post, publicado hoje, ele sugere que só organizações criminosas ousariam fazer os investimentos necessários. Também lembra que as CPMIs convocadas para apurar as atividades da Gtech e Carlos Cachoeira apuraram forte tendência de tais organizações para investir pesadamente em tecnologia e sistemas de informação. Mas como estas redes criminosas derrubam sites?
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Em julho e dezembro de 2012, Outras Palavras foi vítima de outros ataques que o derrubaram. Nestes casos – o segundo, logo após publicação de matérias denunciando envolvimento de policiais degenerados em onda de assassinatos em São Paulo – os agressores invadiram a base de dados e inocularam vírus, imediatamente detectados por sistemas de proteção como o do Google. Estas barreiras trancam o acesso dos internautas. Os sites continuam no ar, mas tornam-se inacessíveis. Uma vez desinfectados, voltam a funcionar normalmente.
Desta vez, é diferente. O ataque é feito por saturação, num esquema conhecido como DDoS, ou Ataque de Negação de Serviço (Ver na Wikipedia). Para consumá-lo, é preciso que centenas de pessoas permitam que seus computadores sejam utilizados para acessar os sites visados, derrubando-os e impedindo que voltem a funcionar de modo estável. É o método mais frequentemente utilizado pelo grupo hacker Anonnymous, em suas ações de denúncia contra organizações poderosas ou que promovem censura. É, também, um esquema muito adequado para uma quadrilha interessada em silenciar quem revela suas ações. Para participar dos ataques, não é preciso nenhum conhecimento tecnológico. Basta receber e instalar um programa para incluir mais uma máquina na artilharia contra o site visado.
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O uso da internet por redes criminosas não pode, é claro, causar espanto. O que chama atenção é a letargia das organizações que deveriam coibir o crime. Em seu post mais recente sobre o tema, Luis Nassif espanta-se. No caso TelexFree, diz ele, “a Polícia Federal não age, porque acha que é assunto para as Polícias Civis. As Polícias estaduais estão atuando cada qual por si, assim como o Ministério Público nos diversos estados”.
O próprio Nassif sugere uma solução: “Tem que haver coordenação em nível de Ministério, com o Ministro convocando a PF, o Ministério Público Federal, as Secretarias de Segurança estaduais para uma ação rápida. Há necessidade de rapidez para mapear os elos da corrente, impedir que mais pessoas sejam vítimas do golpe e, de alguma maneira, impedir a transferência dos recursos para paraísos fiscais”.
A providência, que parece óbvia, ainda não foi adotada. Enquanto isso, ocorrem fatos bizarros. Em 7 de março, a Agência Estado noticiou, solitariamente, que o diretor de operações de um secretaria extraordinária da Polícia Federal envolveu-se pessoalmente na difusão da “pirâmide” da TelexFree, difundindo o esquema, via internet, para centenas de colegas. Foi afastado pelo ministro, sem que, no entanto, as investigações pareçam avançar.
Igualmente misterioso é o silêncio da mídia comercial. Denunciar a "pirâmide renderia matérias típicas do Fantástico ou dos notíciários da TV. No entanto, uma busca pelos termos “TelexFree” no Google News brasileiro não mostra, por exemplo, nenhuma matéria publicada pelos três jornais mais vendidos, ou por portais como UOL e G1. Há apenas informações de sites independentes ou de veículos regionais.
Que terá ocorrido – tendo em vista que milhões de pessoas continuam recebendo convites do esquema criminoso e muitas, desinformadas, tornam-se vítimas? Será descuido? Mais um sinal de incapacidade de cobrir temas relevantes? Algo mais?
Em luta contra o ataque, Outras Palavras conta, mais uma vez, com a compreensão e solidariedade dos leitores. Esperamos anunciar em breve a volta do site ao ar e a ampliação de nosso esforço por compreender e transformar um planeta sempre em turbulência – mas pelo qual vale a pena agir, todos os dias.
Abraço forte,
A Redação.