segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Continua o debate sobre a teoria da dependência

O Dr.Alberto Noé, professor da Universidade de Buenos Aires, explica as razões do cerco informativo realizado contra Ruy Mauro Marini, a partir do artigo de Fernando Henrique Cardoso e José Serra deformando suas teses e criticando uma fantasmagórica teoria da estagnação que é exatamente a negação da visão dialética que Marini e de nosso grupo do que se conhece hoje como a teoria crítica ou marxista da dependência. Alberto Noé trabalhou na FESP-RJ comigo, secretariou a realização do Congresso Latino Americano de Sociologia que eu presidi em 1985 e a pesquisa sobre movimentos sociais da Universidade das Nações Unidas, cuja parte brasileira esteve sob minha direção. Ruy Mauro Marini atuou muito amplamente na FESP durante esse período, antes de retornar ao México para dirigir o Centro de Estudios Latinoamericanos (CELA) da UNAM. Ele conhece bem de perto, portanto, o tema deste artigo.


Ruy Mauro Marini e A Dialética da Dependência

Alberto Noé (*)

Um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros, consagrado no México, onde se exilou, e em toda a América Latina, levou três décadas para ser editado em seu país.

Dois anos depois de sua morte, esse acontecimento editorial vale como um resgate. Os anos 70 ficaram gravados na historia da América Latina como "os anos de chumbo". Entretanto é importante assinalar que aquela foi uma década de exílio quando a cidade de México se tornou o cenário de convergência de numerosos acadêmicos e cientistas sociais latino-americanos.

Dentre eles destacava-se Ruy Mauro Marini, "o mais latino-americano" dos intelectuais acadêmicos, por sua importante obra, embora desconhecida do leitor brasileiro. Depois de quase trinta anos de sua primeira edição em espanhol, essa obra é editada em sua língua materna.

Como se explica esse atraso?

Varias gerações de cientistas sociais não tiveram o privilegio de conhecer seus textos, paradoxalmente publicados e difundidos na América Latina, mas ignorados no Brasil. É com esta perplexidade que começo esta resenha.

Marini, falecido há dois anos, iniciou sua vida acadêmica na Universidade de Brasília (UnB).
Depois do golpe militar de 1964, exilou-se no Chile, onde foi professor da Universidade de Chile até a queda do governo de Allende em 1973. Posteriormente radicou-se no México. Lá, lecionou na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM) - o grande cenário de sua consagração intelectual - onde produziu a maior parte de sua obra. Tive a honra de ser seu aluno na UNAM.
Em seu livro, Marini procura distinguir as principais características que vem assumindo a superexploração da força de trabalho na América Latina, a partir dos anos 70, quando se afirma a crise da industrialização voltada para o mercado interno e se inicia na região um giro no sentido de sua inserção numa economia mundial globalizada sob o domínio de políticas neoliberais. O conceito de superexploração do trabalho foi estabelecido por Marini no final da década de 60, enfatizado sua relação com a gênese da acumulação capitalista.

O autor afirma, em sua obra, que o regime capitalista de produção desenvolve duas grandes formas de exploração: o aumento da força produtiva do trabalho e a maior exploração do trabalhador. O aumento da força produtiva do trabalho se caracterizaria pela produção de mais quantidade no mesmo tempo e com o mesmo gasto de força de trabalho; e a maior exploração do trabalhador se caracterizaria por três processos, que poderiam atuar conjugadamente ou de forma isolada, representados pelo aumento da jornada de trabalho, pela maior intensidade de trabalho sem a elevação do equivalente em salário e pela redução do fundo de consumo do trabalhador.

O conceito de superexploração da força de trabalho começa a se esboçar em Subdesarrollo y revolución (1968), adquire uma forma mais sistemática em Dialéctica de la dependencia (1973) e continua a se desenvolver em Plúsvalia extraordinária y acumulación de capital (1979), Las razones del neodesarrollismo (1978), y El ciclo del capital en la economía dependiente (1979).

Por outro lado, é importante ressaltar que a corrente dependentista deu margem a varias vertentes do pensamento, não se tornando dessa forma, homogênea em seus postulados básicos.

Se existe por um lado a perspectiva de integração subordinada de Fernando Henrique Cardoso, por outro há a perspectiva da dialética da dependência e da superexploração da força de trabalho, de Marini.

Nos últimos anos, houve um certo consenso entre autores de diversas correntes teóricas y acadêmicas em torno à afirmação de que se "esgotou" a "teoria da dependência"; sobretudo aquela desenvolvida pelas reflexões criticas durante os anos sessenta y setenta.

Neste sentido destaca-se a corrente da "nova dependência" - representada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto -, que teve muita difusão no Brasil nos últimos anos, tentando invalidar os representantes da corrente critica da dependência, entre eles, Ruy Mauro Marini.

Nesse contexto é possível entender a publicação de um artigo assinado por Fernando Henrique Cardoso e José Serra, em 1978, atacando Ruy Mauro Marini, que teve, sobretudo no Brasil, importância na formação da opinião sobre a sua obra.

Isto deve-se não apenas à projeção desses autores no âmbito das ciências sociais brasileiras, mas também ao fato de a crítica à obra de Marini haver sido divulgada no Brasil, a partir da Revista do Cebrap, sem que ele tivesse tido direito a resposta, como ocorreu no México, mais precisamente na Revista Mexicana de Sociologia.

Marini se refere a esse triste episódio como uma forma encontrada por Cardoso e Serra para deturpar suas reflexões e deformar, quase sempre, suas analises e, assim, poder criticá-las, manipulando os dados que utiliza: o leitor o entenderá melhor se levar em conta que o artigo é dirigido fundamentalmente à jovem geração brasileira, que conhece pouco ou quase nada da obra de Marini.

Isso é o que levou Fernando Henrique Cardoso e José Serra a adaptá-lo, livremente, aos fins que se propuseram. Seguramente, teriam procedido de outra maneira se fossem dirigidos a um publico mais familiarizados com os textos de Marini.

(*) Doutor em Sociologia pela USP.
Professor do Doutorado em Ciências Sociais – Universidade de Buenos Aires.

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