sexta-feira, 21 de março de 2014

Venezuela: crise do bolivarianismo ou necessidade de avançar em toda a região ?

 Busto de Simon Bolívar presenteado pela TeleSul, que realiza um trabalho de conscientização cada vez mais fundamental. A foto é do livro editado pela TeleSul sobre o dia da morte de Chávez sob o título "Comandante Hugo Chávez Frias: Uno se va, pero no se va".



 Na minha última viagem a Venezuela tive a oportunidade uma vez mais de sentir a força e o papel da consciência nos processos de transformação social, particularmente quando assume uma perspectiva revolucionária. Lembro-me, já que tenho assumido umas tendências evocativas neste Blog, da primeira conversa que tive com o Comandante e amigo Hugo Chávez. Depois de ver a profunda relação estabelecida por ele com as massas venezuelanas lhe disse o seguinte: tua atuação política está profundamente inspirada na liderança do Fidel Castro. Ainda no começo da revolução ele afirmou: "nós não fizemos nada que não estivesse antes na consciência do povo cubano, este é o segredo de uma revolução imbatível".

Nos anos seguintes pude observar e até participar de vários eventos na Venezuela, onde as organizações sociais sobretudo os Conselho Comunitários participavam intensamente do debate sobre as políticas do Governo e até sobre questões de ordem teórica, morais, políticas, históricas que pareciam fundamentais para o processo revolucionário venezuelano.

Alguns testemunhos: o garçom do restaurante do hotel Hilton me dizia "antes da revolução eu não sabia nada dessas questões internacionais, agora eu sei quase tudo e me preocupa demais o que passa nos demais países latino americanos e no Mundo". Numa reunião do Banco do Povo para cuja a Mesa diretora me levou Chávez, ele entregava pessoalmente os recursos a fundo perdido do Banco para financiar projetos apresentados pelos Conselhos Comunitários. Ele discutia com cada um dos autores dos projetos já aprovados para aguçar sua sensibilidade e sua responsabilidade para executá-los. Num certo momento uma jovem, talvez em torno de 20 anos, defende o projeto da sua comunidade e Chávez lhe diz: "eu te conheço", "sim Presidente", responde a menina, "o senhor esteve na minha comunidade", mas Chávez observa: "mas você está muito falante, quando eu te conheci você não falava nada", "é verdade Presidente, eu não sabia nada da minha comunidade. Agora eu sei tudo, eu sei de onde vem a água, de onde sai o lixo, os problemas de saúde, as construções necessárias, aprendi nesses anos", disse a jovem que continuou a defender o projeto da sua comunidade. Creio que era uma fábrica de tijolo que ia favorecer não só a sua comunidade, mas atenderia várias comunidades vizinhas.

Com que prazer fui levado por dirigentes comunitários para conhecer as clínicas comunitárias que hoje se encontram em todos os Conselhos Comunitários venezuelanos. Mais fantástico ainda é testemunhar o interesse filosófico dos líderes comunitários. O Ministério da Cultura promove um Congresso Mundial de Filosofia todos os anos com grande presença internacional e com a particularidade que eles se realizam nas comunas. Nessas discussões entre filósofos e líderes comunais saem, de repente, numa exposição, o nome de Gramsci. Eu intervenho e tento explicar aos companheiros quem era Gramsci para que pudessem compreender o tema discutido. Um companheiro ao meu lado me toca e diz: "não se preocupe Professor, aqui todos conhecem a Gramsci, o Presidente Chávez sempre trás livros do Gramsci quando se apresenta na televisão ou nos comícios e reuniões, assim como de outros filósofos, sobretudo marxistas"

Esses são alguns exemplos da força desse movimento comunitário e do avanço da consciência das suas lideranças e de toda a população. É preciso destacar que grande parte do planejamento do desenvolvimento comunitário é feita pelos próprios moradores que contratam profissionais para ajudar no planejamento e na execução das obras e dos projetos das comunas. Não cabe aqui estendermos nessas observações, mas é sempre muito emocionante conversar com os quadros que conduzem este processo.

É muito fundamental perceber no contato direto com o povo o sofrimento com a morte de Chávez. Mas ao mesmo tempo pode-se notar a confiança adquirida por eles através desta prática revolucionária de condução de suas próprias vidas. A consigna "eu sou Chávez" não é um recurso demagógico. Esta população descobriu e crê firmemente que ela é responsável pelo destino da revolução.

Esta introdução é necessária para a compreensão do tema que orientou a comemoração do primeiro ano da morte de Chávez, no próprio quartel que abriga o mausoléu do Chávez. O tema era o amor e a Pedagogia de Chávez nos vários campos, inclusive o econômico sobre o qual me pediram dissertar. Chávez tem uma entrevista onde define esta questão: "foi por amor que eu estudei, foi por amor que eu me alistei na academia militar, foi por amor que me dediquei profundamente ao estudo dos problemas do nosso povo e as questões sociais e políticas assim como a nossa história, foi por amor que me levantei contra a opressão e a repressão contra o nosso povo, foi por amor que me candidatei e assumi a Presidência da República e foi por amor que me dediquei totalmente à Revolução Bolivariana".

Portanto, está claro as razões pelas quais o processo de avaliação, interpretação do papel histórico do Chávez tome como referência o amor, como sentimento e como valor moral. Na minha exposição dei especial ênfase a diferença de uma economia a uma ciência econômica que atribui ao mercado a condução das vida humanas e uma ciência econômica que crer no papel da razão no planejamento de nossas vidas assimilando valores fundamentais como auto gestão da vida humana dos valores que permitem o pleno desenvolvimento da humanidade.

Esta reunião contou com a colaboração de Piedad Córdoba, ex-Senadora colombiana que lidera a luta pela paz no seu país ao custo de perder seu mandato. Seu testemunho sobre a influência decisiva do CHávez na sua opção política junto ao povo colombiano foi extremamente emocionante, assim como as exposições dos demais membros da Mesa.

Não posso deixar de assinalar a força moral que exala o panteão de Hugo Chávez, ali estão grupos e grupos de crianças com seus pais ou com seus professores muito atentos a figura Chávez que sempre deu uma atenção extrema a participação infantil em suas atividades, mas também se vê filas gigantescas de uma população entre a emoção e muitas vezes o choro pelo sentimento de perda, mas por outro lado a alegria sentiu-se capaz de prosseguir a revolução, sobretudo ao encontrar a mesma reação nas enormes massas que se dirigem ao mausoléu.

É também algo extremamente emocionante assistir uma vez mais um concerto de uma das orquestrar infantis deste projeto excepcional que reúne já 500 mil crianças, transformadas em músicos de altíssimo nível. É impressionante ver a concentração e a disciplina dessas crianças e adolescentes misturadas com uma tremenda alegria por serem capazes de apresentar um espetáculo tão acima da média mundial. E não deixa de ser também emocionante ver o Ministro de Educação Superior que organizou esta Mesa Redonda declarar com orgulho que a Venezuela tem hoje 75% da população em idade universitária estudando nas Universidades venezuelanas.

Claro que existem graves problemas econômicos numa economia que ainda depende fundamentalmente do petróleo e portanto das suas oscilações no mercado mundial. Cabe também considerar as dificuldades de desenvolver um pensamento econômico socialista. Não deixa der ser preocupante o fato de que grande parte dos nosso economistas foram formados pela escola econômica neoclássica na sua forma mais degenerada e primitiva que é o neoliberalismo.

Tenho o prazer de informar que o meu livro "Do Terror a Esperança: Auge e Decadência do Neoliberalismo" já esgotou duas edições e parte para a terceira. Nele combato muito fortemente a ideia de que o neoliberalismo é uma corrente de pensamento muito avançada e pós-moderna. Eu mostro de que se trata claramente de uma tentativa de volta aos princípios filosóficos do século XVIII, pretendendo retroagir a humanidade ao período de ascensão da burguesia na Europa.

Vi com bons olhos também e com muita satisfação o interesse da Comissão de Publicações do Banco Central de publicar o meu livro recém terminado sobre Desenvolvimento e Civilização. E vejo com prazer que muitos outros pensadores críticos estão sendo editados na Venezuela. E, curiosamente lidos inclusive nos Conselhos Comunais, que dispõem todos eles de bibliotecas fortemente apoiadas pelo Ministério da Cultura.

Tive inclusive o prazer de assistir um vídeo de um grupo de leitura do meu livro Conceito de Classes Sociais nas Comunidades. Chamo atenção também para a edição de 100 mil exemplares do tratado de István Mészáros "Para Além do Capital". Mészáros é um dos maiores filósofos marxistas contemporâneos e Chávez citava como assiduidade trechos de seus livros para seus concidadãos.

Tudo isso pode parecer romantismo, mas mesmo os políticos e empresários mais pretensamente "racionais"  não desprezaram e não desprezam o papel das Igrejas e dos meios de comunicação na formação dos povos, eles tem milênios de trabalho ideológico para convencer os povos por eles dominados da impossibilidade de superar esta condição de subordinação, dependência, exploração, expropriação, e exclusão. Tem que ridicularizar, tem que buscar avidamente impedir o despertar da consciência revolucionária dos povo. Por isso tanto medo de Hugo Chávez. Mas tem que estender esse medo a grande maioria do povo venezuelano.

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