sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sobre o PDT

Está na ordem do dia o destino do PDT, associado infelizmente à sobrevivência ou não de Carlos Lupi no Ministério do Trabalho. Não existe nenhuma prova de vínculo de Lupi com situações administrativas graves no Ministério. Causa desgosto a vários setores de gente bem comportada suas afirmações fortes contra a campanha do Partido da Imprensa, seu jeito popular e sua linguagem dura e incisiva. Esta talvez seja uma marca de sua identidade com o PDT. As forças trabalhistas e socialistas neste pais foram vítimas de violentas campanhas “moralistas” conduzidas pelos homens “puros” da União Democrática Nacional, oligarcas liberais comprometidos com o golpismo militar durante todo o período do pós II guerra (ao constatarem sua falta de apoio eleitoral em várias eleições) assim como com os interesses econômicos norte americanos no Brasil e no mundo. Como sabemos, esta união de interesses pela exploração e expropriação do nosso povo conseguiu sempre legalizar-se buscando colocar no campo da “corrupção” as práticas comerciais e administrativas marginais ao núcleo dos interesses centrais da imoralidade pública que eles representam. Carlos Lacerda foi um dos principais animadores destas campanhas como aquela contra o “rato Fiúza”, candidato a presidente logo depois do Pós Guerra. Ou a campanha contra o “mar de lama” que se teria convertido o segundo governo Vargas. Estas expropriações brutais dos recursos públicos exercidas pelos “homens de bem” jamais são tocadas, mesmo quando assumem uma forma pública claramente ilegal como o caso do Banco Nacional, presidido na época pela nora do presidente da república.

Uma demonstração recente destas falsas campanhas de moralização pública é o aparecimento do termo “donos de ONGs” aplicados aos casos que se deseja desmoralizar.. São “donos” de ONGs a familia Roberto Marinho que possui uma das maiores e bem protegidas ONGs do pais que é a Fundação Roberto Marinho? E todo este aparato de poder civil das Igrejas? E todo este aparato forjado nos últimos anos pelas campanhas de Estado mínimo dos neoliberais? E este aparelho de intervenção cultural deste 1% que vive dos nababescos juros pagos pelo Estado brasileiro comandado pelo Banco Central (convertido em agencia do chamado “mercado” financeiro) e por seus vários representantes dentro do Estado Brasileiro que destina 1/3 dos seus gastos ao pagamento de juros por uma dívida injustificável num pais que tem superávit fiscal há vários anos em detrimento de políticas públicas essenciais para o nosso povo.

Contudo, sabemos que Lupi administra o espólio de uma das mais importantes experiências políticas deste país. Infelizmente este espólio entrou em crise definitiva no final da década de 90 quanto deixamos o partido tantos militantes, entre os quais a companheira Dilma Rousseff que se integrou ao Partido dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul. Para aqueles como eu e ela que participamos da elaboração da definição da estratégia e do programa deste partido é importante garantir que suas linhas básicas estejam em pé, mesmo quando nos afastamos do Partido que tinha “perdido sua alma” como declara a historiadora cuja entrevista ao Estadão se mostra bem interessante. Publicamos abaixo a entrevista citada enviada pelo Professor Marcos Ianoni e o artigo documento que emitimos na época (2000) explicando nossa desvinculação do Partido Democrático Trabalhista. Poderíamos indicar também para nossos leitores que se interessam pelo tema o meu livro “O Caminho Brasileiro para o Socialismo” que publicamos em 1985 com um prólogo de Roberto Saturnino e uma “orelha” de Neiva Moreira. Apesar de boicotado pela imprensa, alcançou rapidamente 2 edições às quais a editora Vozes não deu continuidade.

PDT: UMA CRISE TERMINAL


THEOTONIO DOS SANTOS*


Assistimos um conjunto de fatos muito especiais envolvendo o destino do Partido Democrático Trabalhista. Uma cisão de dezenas de milhares de militantes no Rio de Janeiro. Outras cisões mais ou menos fortes nos outros estados, particularmente no Rio Grande do Sul onde, além de sua debacle eleitoral e ideológica, este partido perde alguns dos seus mais representativos e históricos militantes. Ao mesmo tempo, assistimos a comédia da união com o PTB, legenda rasgada por Leonel Brizola, em 1982, e transformada numa sigla de aluguel a serviço dos mais espúrios interesses. Depois vemos o envio de uma carta à Frente das Forças Populares retirando-se da mesma e, em consequência, do campo das forças de esquerda do pais.

Infelizmente estes fatos são simples indicadores de que nos encontramos diante de uma crise terminal do PDT. Seu líder máximo – numa atitude suicida – conduziu o partido ao isolamento político total e, para tentar sair dele, admite negociar com o PTB, uma das farsas políticas mais notórias deste país, mil vezes denunciada por nosso partido, uma fusão espúria que contraria o fundamento mesmo de nosso projeto partidário. E quando estas negociações entram em crise pela oposição do que sobra do partido, Brizola alega que seria difícil suas bases aceitarem retomar a sigla PTB quando se trata de uma oposição aos componentes desta sigla e não somente às letras que a compõem.

Como um dos fundadores deste partido cabe-me fazer de público algumas perguntas que tentarei responder em seguida.Como foi possível chegar a este resultado assustador? Que erros havia no nosso projeto que permitiu, em somente 20 anos de vida, degenerar-se tão radicalmente?

As bases de nosso projeto partidário se estabeleceram no Encontro dos Trabalhistas Brasileiros de Lisboa, em 1979. Em seguida, elas foram consagradas no Manifesto e no Programa de nosso Partido, aprovado em Congresso Nacional em 1980. Finalmente elas foram desenvolvidas na Carta de Mendes, logo após a vitória eleitoral de Leonel Brizola para governador do Rio de Janeiro, em 1982. Em Congressos posteriores, buscamos atualizar este arcabouço ideológico e doutrinário mas, no fundamental, nos mantivemos fiéis às suas linhas básicas.

O PDT surgiu da perda da sigla partidária histórica do PTB, mas o país sempre reconheceu que a herança do trabalhismo passava pelo PDT e não pelo grupo de aventureiros que se apropriou de nossa sigla histórica por ato da ditadura.

Porque era importante reivindicar esta continuidade política, o fio da história que unia as mais diversas correntes políticas? Por que o trabalhismo era a força política contra a qual se desfechou o golpe de Estado de 1964, particularmente sua ala mais radical e conseqüente expressa na liderança de Leonel Brizola.

A destruição da herança ideológica e política da ditadura passava pela retomada das conquistas e dos projetos históricos do profundo movimento social que levou o país ao auge do seu desenvolvimento econômico, político e social entre 1950 e 1964.

Este movimento, colocado no poder pela campanha da legalidade iniciada no Rio Grande do Sul sob o comando de Leonel Brizola, prometia desdobrar-se na reforma agrária, na lei da remessa de lucros e nas chamadas reformas estruturais. Foi a perspectiva dessas mudanças radicais que levou a classe dominante brasileira a aliar-se com o capital internacional e particularmente com o governo norte-americano ( conforme é hoje mais do que documentado) para detê-las de qualquer forma e realizar “uma contra-revolução preventiva”, conforme a definição de um de seus líderes.

Ao contrário do PT, que nascera do movimento de massas que se erguera contra a ditadura nos anos 70, o PDT pretendia (e seus seguidores ainda o pretendem) representar um movimento histórico secular forjado nas lutas dos anarquistas no começo do século; nas forças socialistas e comunistas que se consolidaram nos anos 20 e 30 do século XX; na legenda histórica da coluna Prestes, cujo chefe se converteu no presidente de honra de nosso partido; nas forças progressistas que conduziram a revolução de 30; no concerto de forças que levou ao início da legislação trabalhista; na luta histórica de nossos pracinhas que se colocaram na vanguarda de nossa participação na vitória dos Aliados contra o nazismo; no amplo movimento democrático e nacionalista que se articulou no pós-guerra levando ã criação da Petrobrás e ao desenvolvimento econômico do final dos anos 50; da CGT, das Ligas Camponesas, do Comando Nacional dos Sargentos, dos oficiais nacionalistas, da frente parlamentar nacionalista, do Centro de Cultura Popular e tantas outras forças que compuseram a Frente de Mobilização Popular do inicio dos anos 60; da resistência contra a ditadura, nas suas mais diversas formas, desde os movimentos armados até o Movimento pela Anistia, as greves operárias de São Paulo e as facções autênticas do MDB.

Elementos de todos estas forças estiveram na constituição do PDT e entregaram a Leonel Brizola a liderança desta enorme e rica tradição histórica. Francisco Julião,
Bocaiuva Cunha, Doutel de Andrade, Darcy Ribeiro, Edmundo Moniz, Adão Pereira Nunes, Luis Carlos Prestes, Euzébio Rocha, Brandão Monteiro, Herbet de Souza, para citar somente alguns dos que se foram, e tantos outros delegaram a Leonel Brizola a herança de suas lutas confiando em suas qualidades de chefe e combatente, com o objetivo explícito de criar um partido político de massas, com uma estrutura de quadros capaz de conduzir o nosso país para uma nova fase histórica de desenvolvimento econômico e social que apontava o trabalhismo como O Caminho Brasileiro para o Socialismo.

No entanto, as tendências personalistas e caudilhescas terminaram por inviabilizar nosso projeto. Elas impediram a consolidação de nosso partido como uma sólida estrutura de quadros, expulsaram de nossa companhia companheiros que faziam sombra a nossos dirigentes, principalmente ao principal deles, O caudilhismo favoreceu a improvisação e negou o papel da competência profissional e intelectual, levou a posições políticas mal calculadas e sacrificou a frente de esquerdas que tanto aspirávamos.

Havíamos insistido também na necessidade de armar um arco de forças sociais que ademais dos setores organizados dos trabalhadores, incluísse as grandes massas de despossuidos e excluídos sociais. Isto nos permitia justificar o caráter amplo e assembleístico de nosso partido e servia de explicação para certos desvios populistas que se expresavam na aceitação de lideranças populares personalistas, pouco disciplinadas e pouco partidárias.

Com o tempo, esta ênfase excessiva no expontaneismo afastou de nosso partido os movimerntos sociais organizados e favoreceu o oportunismo e o personalismo em nossas fileiras.

20 anos depois, vemos o nosso projeto estreitar-se quando podia alcançar o seu ponto mais alto. Quando a sociedade brasileira forja uma aliança de esquerda para as eleições presidências e consegue, no Rio de Janeiro, construir esta Frente de Esquerdas em torno de um governo estadual dirigido por uma liderança jovem e promissora, que reativou o nosso partido, vemos prevalecer uma atitude irresponsável que rompe com esta Frente, que deveria ter continuidade nas eleições municipais do Rio de Janeiro através da candidatura de Benedita, e lança uma candidatura irresponsável do dirigente máximo do partido à Prefeitura do Rio de Janeiro.

É fácil ver aonde nos levam tais aventuras, ainda mais absurdas quando são acompanhadas de uma cruzada insana contra o governador do Rio de Janeiro, convertido em inimigo principal de um grupo de militantes que vai se desprendendo da realidade até o ponto de converter-se numa caricatura política expressa nas tentativas ridículas de expulsão do governador do Estado e de outros militantes que não se ajustam a estas insanidades. Expulsão consumada depois da desfiliação do governador e mais de 12000 militantes.

Para completar este quadro, vemos estas atitudes doentias predominarem nas eleições de Porto Alegre, onde chegamos à degradação política máxima de tentar comandar uma frente anti-PT, em aliança com as mais reacionárias forças de direita, representantes do governo Fernando Henrique Cardoso, contra o qual se bate hoje a maioria da nação, espezinhada pela debacle econômico-financeira e pela entrega de nossas riquezas.

Em vez de corrigir estes rumos, depois do fracasso eleitoral de Brizola no Rio e do sujo papel exercido em Porto Alegre, nossas bases políticas mais importantes, este grupo aprofunda seus erros e tenta a aliança desesperada com o PTB para salvar os restos do partido que caminha assim para o suicídio. Com que objetivo? Para salvar a cara de quem? Do PDT? Do nosso projeto histórico? Da liderança de Brizola, que começa a beirar agora o delírio e ameaça sair do plano da esquerda para aliar-se às forças políticas mais corruptas do pais?

Ainda é tempo de parar. Ainda é tempo de recuar. Ainda é tempo de salvar a biografia daquele no qual tantos de nós confiou, apesar de seus desvios caudilhescos que impediram nossa conversão num verdadeiro partido e de seus erros de condução que comprometeram tão decisivamente nosso projeto histórico.
Mas é hora também de separar o joio do trigo.

Os que continuamos fiéis ao nosso projeto original, à unidade das esquerdas, aos objetivos históricos de nosso povo nos desfiliamos desse partido e nos comprometemos a encontrar em outra agrupação política um caminho mais próximo de nosso objetivo original:

Reunificar as forças socialistas, comunistas, trabalhistas, nacionalistas e democratas deste país para conduzi-lo ao seu verdadeiro destino de desenvolvimento econômico, justiça social, democracia e soberania nacional, forjando assim o caminho brasileiro para o socialismo.


* Theotonio Dos Santos foi fundador do PDT e membro de seu Diretório Nacional.
No presente momento é membro da comissão de coordenação do movimento dos desfiliados do PDT.



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