Sexta,
13 Maio 2016 12:07; Última modificação em Sábado, 14 Maio 2016
09:15;
Assalto
ao poder no Brasil
País:
Brasil/ Batalha de ideias
Fonte: Diário
Liberdade
Por: Atilio Borón. Uma quadrilha de bandidos tomou por assalto a presidência do Brasil. Ela é integrada por três atores principais: por um lado, um elevado número de parlamentares (lembrar que sobre dois terços deles pesam gravíssimas acusações de corrupção), a maioria dos quais chegou ao Congresso como produto de uma absurda legislação eleitoral que permite que um candidato que obtenha apenas umas poucas centenas de votos ganhe uma cadeira graças à perversa magia do “quociente eleitoral”. Tais eminentes ninharias puderam destituir provisoriamente a quem chegou ao Palácio do Planalto com o aval de 54 milhões de votos.
Segundo,
um poder judicial igualmente suspeito por sua conivência com a
corruptela generalizada do sistema político e repudiado por amplas
camadas da população do Brasil. Mas é um poder do estado
hermeticamente alheio a qualquer classe de controle democrático ou
popular, profundamente oligárquico em sua cosmovisão e
visceralmente oposto a qualquer alternativa política que se proponha
a construir um país mais justo e igualitário. Como se isso já não
fosse o bastante, assim como os legisladores, esses juízes e fiscais
vêm sendo treinados ao longo de quase duas décadas por seus pares
estadunidenses em cursos supostamente técnicos mas que, como é bem
sabido, têm invariavelmente um fundo político que é necessário
muito esforço para imaginar seus contornos ideológicos.
O
terceiro protagonista deste gigantesco furto à soberania popular são
os principais meios de comunicação do Brasil, cuja vocação
golpista e ethos profundamente reacionário são amplamente
conhecidos porque militaram desde sempre contra qualquer projeto de
mudança em um dos países mais injustos do planeta.
Ao
separar Dilma de seu cargo (por um prazo máximo de 180 dias no qual
o Senado deverá decidir por uma maioria de dois terços se a
acusação contra a presidenta se ratifica ou não) a presidência
temporária recaiu sobre obscuro e medíocre político, um ex-aliado
do PT convertido em um conspícuo conspirador e, finalmente, infame
traidor: Michel Temer. Infelizmente, tudo leva a crer que em pouco
tempo o Senado converterá a suspensão temporal em destituição
definitiva da presidenta porque na votação que a retirou de seu
cargo os conspiradores obtiveram 55, um a mais do que o exigido para
destituí-la*. E isso será assim, embora, como Dilma reconheceu ao
ser notificada da decisão do Senado, possa ter cometido erros, mas
jamais crimes. Seu límpido histórico nessa matéria resplandece
quando é comparado com os prontuários criminais de seus censores,
torvos personagens prefigurados na Ópera do Malandro de Chico
Buarque quando ridicularizava o “malandro oficial, o candidato a
malandro federal, e o malandro com contrato, com gravata e capital”.
Essa malandragem hoje governa o Brasil.
A
confabulação da direita brasileira contou com o apoio de Washington
– imaginem como teria reagido a Casa Branca se algo semelhante
tivesse sido tramado contra algum de seus peões na região! Em seu
momento Barack Obama enviou como embaixadora no Brasil Liliana
Ayalde, uma especialista em promover “golpes brandos” porque
antes de assumir seu cargo em Brasília, o qual segue desempenhando,
certamente que por pura casualidade havia sido embaixadora no
Paraguai, nas vésperas do derrocamento “institucional” de
Fernando Lugo. Mas o império não é onipotente, e para viabilizar a
conspiração reacionária no Brasil suscitou a cumplicidade de
vários governos da região, como o argentino, que definiu o ataque
que seus amigos brasileiros estavam perpetrando contra a democracia
como um exercício parlamentar de rotina e nada mais.
Em
suma, o ocorrido no Brasil é um duríssimo ataque encaminhado não
só a destituir Dilma mas também a derrubar um partido, o PT, que
não pode ser derrotado nas urnas, e a abrir as portas para um
processo contra o ex-presidente Lula que impeça sua candidatura na
próxima eleição presidencial. Em outros termos, a mensagem que os
“malandros” enviaram ao povo brasileiro foi claro: não votem
mais no PT ou em uma força política como o PT!, porque mesmo que
vocês prevaleçam nas urnas nós o faremos no congresso, no
judiciário e na mídia, e nosso poderio combinado pode muito mais do
que seus milhões de votos.
Grave
retrocesso para toda a América Latina, que se soma ao já
experimentado na Argentina e que obriga a repensar o que foi que
ocorreu, ou nos perguntar, em linha com o célebre conselho de Simón
Rodríguez, onde foi que erramos e por que não inventamos, ou
inventamos mal. Em tempos obscuros como os que estamos vivendo:
guerra frontal contra o governo bolivariano na Venezuela, insidiosas
campanhas da imprensa contra Evo e Correa, retrocesso político na
Argentina, conspiração fraudulenta no Brasil, em tempos como esses,
dizíamos, o pior que poderia ocorrer seria que recusássemos a
realizar uma profunda autocrítica que impedisse recair nos mesmos
desacertos.
No
caso do Brasil um deles, talvez o mais grave, foi a desmobilização
do PT e a desarticulação do movimento popular que começou nos
primeiros passos do governo Lula e que, anos depois, deixaria Dilma
indefesa ante o ataque da malandragem política. O outro, intimamente
vinculado ao anterior, foi acreditar que se poderia mudar o Brasil
somente a partir dos despachos oficiais e sem o respaldo ativo,
consciente e organizado do campo popular. Se as tentativas golpistas
ensaiadas na Venezuela (2002), Bolívia (2008) e Equador (2010) foram
repelidas foi porque nesses países não se caiu na ilusão
institucionalista que, infelizmente, se apoderou do governo e do PT
desde os seus primeiros anos.
Terceiro
erro: ter desestimulado o debate e a crítica no interior do partido
e do governo, apanhando em troca uma fraseologia facilista que
obstruía a visão dos desacertos e impedia corrigi-los antes que,
como se comprovou agora, o dano fosse irreparável. Por algum motivo
Maquiavel dizia que um dos piores inimigos da estabilidade dos
governantes era o nefasto papel de seus conselheiros e assessores,
sempre dispostos a adulá-los e, por isso mesmo, absolutamente
incapacitados para alertar sobre os perigos e emboscadas que
aguardavam ao longo do caminho. Oxalá que os traumáticos eventos
que se produziram no Brasil nesses dias nos sirvam para aprender
essas lições.
*Nota
da tradução: O número mínimo de votos no Senado para destituir
temporariamente Dilma da presidência da República era de 41 votos,
portanto foram 14 votos a mais favoráveis ao impeachment do que o
mínimo necessário.
Fonte:
http://www.atilioboron.
Tradução:
Diário Liberdade
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