Introdução de Theotonio Dos Santos - Premio Mundial de Economista
Marxiano de 2013 - Associação Mundial de Economia Política - WAPE.
Muitos governos, subjugados aos seus Bancos Centrais, pretendem obrigar os seus povos a transferir, sob as mais diversas formas, massas colossais de recursos - obtidos pelos mais diversas tipos de receitas fiscais - para o sistema financeiro sob os mais incríveis pretextos.
No caso do Brasil estas transferências têm uma forma absurda: o Estado brasileiro lançou e ainda lança no mercado financeiro títulos de dívidas não porque tenha dívidas pois há mais de 20 anos que o Brasil tem superávit fiscal e portanto não cria dívidas para atender as necessidades de sua população e cumprir os objetivos de qualquer Estado (mesmo na definição dos neoliberais não há nenhum teórico que defenda que é dever do Estado lançar títulos de dívida com altas taxas de juros sem ter nenhuma dívida que advenham dos chamados "fins" do Estado.
Daí que temos uma terrível manipulação intelectual há muito tempo praticadas no nosso país: fazer dívidas públicas e pagar por elas altas taxas de juros por razões macro económicas e não por dívidas públicas. Outros estados esconderam seus objetivos de servir ao capital financeiro (ao 1% que possui mais de 50% da riqueza mundial). Por exemplo os Estados Unidos transferiram o equivalente à metade do seu PIB para os seus bancos durante a crise de 2008 sob o pretexto de que era necessário ajudar os clientes destes bancos e também porque eles eram demasiado grandes para permitir que entrassem em falência.
No Brasil inventaram-se duas vergonhosas desculpas para enriquecer o nosso 1%:
1) quando estávamos com excedentes de dólares durante a primeira década dos anos 2.000, devido ao aumento colossal de nossas exportações, considerou-se de bom alvitre favorecer mais entrada de dinheiro no pais atraindo capitais do exterior com os altos juros pagos pelo Estado brasileiro.
2) Quando se baixou a taxa de juros paga pelo Estado em torno de 6% se inventou uma ameaça de aumento da taxa de juros dos Estados Unidos: seria o fim da entrada de capitais (financeiros em busca de nossos excedentes financeiros, expressos sobretudo nas nossas elevadíssimas reservas cambiais que - pasmem-se os nossos leitores - estão na mão do mesmo Banco Central. Esta instituição monstruosa empurrou o pais para o déficit fiscal aumentando de maneira completamente artificial nossas dívidas e exigindo cortes de gastos públicos para aumentar o déficit público.
Desta forma, a presidente Dilma Rousseff que dirigia um país de alto éxito económico (e financeiro!) com um crescimento do PIB de mais de 7% ao ano, um poderoso superávit comercial internacional, umas reservas em crescimento, uma capacidade invejável de atração de capitais do exterior, um aumento do emprego e queda do desemprego, um programa de gastos públicos de alta qualidade apesar de todas as críticas que se lhe pudessem fazer e, finalmente, através de umas politicas sociais que passaram a ser imitadas no mundo inteiro. Neste momento o governo da presidente Dilma alcançou mais de 60% de aprovação em 2012.
Como foi possível que a presidente Dilma acreditasse nos "economistas" do Banco Central e abandonasse seu programa extraordinariamente exitoso? Como pode ser que aceitasse as absurdas idéias dos diretores do Banco Central, reunidos sob o nome de COPOM, e iniciassem uma política recessiva a partir do aumento da taxa de juros com o único objetivo de conter a inflação. Pior ainda, como pode a nossa querida lutadora e estudiosa da economia acreditar que este é o caminho correto para conter uma inflação que era ainda baixa e que "ameaçava" explodir, segundo estes economistas geniais. Explosão esta que só existia na cabeça dos 6 diretores do Banco Central. Não houve um só estudo económico que provasse isto. Não houve um só modelo teórico que provasse esta previsão interessada...
Esta é a grande pergunta. Leiam com atenção o artigo do prémio Nobel mais respeitado no mundo atual - Stiglitz. Não se trata de um radical de esquerda e sim de um analista social, político e económico de grande qualidade que não se deixou levar por raciocínios primários sem nenhum fundamento empírico. O "pensamento" económico que sustenta estas políticas é um instrumento direto do capital financeiro. Os aplicadores desta política, como se converteu Dilma inexplicavelmente, pois estou seguro que não raciocina em função de interesses pessoais e sim dos interesses do país, sofrem em todo o mundo o resultado de sua opção: o povo de todos os países do mundo votam sistematicamente contra os chamados "ajustes fiscais" que são um ajuste do gasto público para criar "superávits" fiscais para pagar as dívidas que o sistema financeiro consegue criar em todo mundo.
Os pretextos são válidos mas os papas do neoliberalismo no mundo nunca se atreveram a colocar no cadafalso um país que há vinte anos pratica o superávit fiscal e dispõe de cerca de 400 bilhões de dólares de reserva... E entrega o poder a um contador que quer nos impor o corte de todas medidas económicas de conteúdo social para realizar uma política macro económica inexplicável. Nenhum raciocínio económico, nenhum estudo empirico sério, nenhuma teoria capaz de fundamentar esta política que é rejeitada radicalmente por mais de 70% da população brasileira...
Fiquemos aqui e vejamos como Stiglitz cada vez mais se aproxima das análises que nos conduzem a políticas económicas opostas ao caminho seguido de repente pelo atual governo, eleito para manter sua política anterior - antes do suicídio dos juros altos a serviço do capital financeiro - aperfeiçoando-a é verdade. Ninguém imaginava que que em vez de continuar a política da oposição brasileira que deixou o governo com um inflação de 13%, um dívida externa de 35 bilhões de dólares, um crescimento zero do PIB, um concentração de renda colossal, etc., etc. É hora de pensar bem em quem creemos. O povo brasileiro, como todos os povos do mundo, já tomaram sua decisão.
Muitos governos, subjugados aos seus Bancos Centrais, pretendem obrigar os seus povos a transferir, sob as mais diversas formas, massas colossais de recursos - obtidos pelos mais diversas tipos de receitas fiscais - para o sistema financeiro sob os mais incríveis pretextos.
No caso do Brasil estas transferências têm uma forma absurda: o Estado brasileiro lançou e ainda lança no mercado financeiro títulos de dívidas não porque tenha dívidas pois há mais de 20 anos que o Brasil tem superávit fiscal e portanto não cria dívidas para atender as necessidades de sua população e cumprir os objetivos de qualquer Estado (mesmo na definição dos neoliberais não há nenhum teórico que defenda que é dever do Estado lançar títulos de dívida com altas taxas de juros sem ter nenhuma dívida que advenham dos chamados "fins" do Estado.
Daí que temos uma terrível manipulação intelectual há muito tempo praticadas no nosso país: fazer dívidas públicas e pagar por elas altas taxas de juros por razões macro económicas e não por dívidas públicas. Outros estados esconderam seus objetivos de servir ao capital financeiro (ao 1% que possui mais de 50% da riqueza mundial). Por exemplo os Estados Unidos transferiram o equivalente à metade do seu PIB para os seus bancos durante a crise de 2008 sob o pretexto de que era necessário ajudar os clientes destes bancos e também porque eles eram demasiado grandes para permitir que entrassem em falência.
No Brasil inventaram-se duas vergonhosas desculpas para enriquecer o nosso 1%:
1) quando estávamos com excedentes de dólares durante a primeira década dos anos 2.000, devido ao aumento colossal de nossas exportações, considerou-se de bom alvitre favorecer mais entrada de dinheiro no pais atraindo capitais do exterior com os altos juros pagos pelo Estado brasileiro.
2) Quando se baixou a taxa de juros paga pelo Estado em torno de 6% se inventou uma ameaça de aumento da taxa de juros dos Estados Unidos: seria o fim da entrada de capitais (financeiros em busca de nossos excedentes financeiros, expressos sobretudo nas nossas elevadíssimas reservas cambiais que - pasmem-se os nossos leitores - estão na mão do mesmo Banco Central. Esta instituição monstruosa empurrou o pais para o déficit fiscal aumentando de maneira completamente artificial nossas dívidas e exigindo cortes de gastos públicos para aumentar o déficit público.
Desta forma, a presidente Dilma Rousseff que dirigia um país de alto éxito económico (e financeiro!) com um crescimento do PIB de mais de 7% ao ano, um poderoso superávit comercial internacional, umas reservas em crescimento, uma capacidade invejável de atração de capitais do exterior, um aumento do emprego e queda do desemprego, um programa de gastos públicos de alta qualidade apesar de todas as críticas que se lhe pudessem fazer e, finalmente, através de umas politicas sociais que passaram a ser imitadas no mundo inteiro. Neste momento o governo da presidente Dilma alcançou mais de 60% de aprovação em 2012.
Como foi possível que a presidente Dilma acreditasse nos "economistas" do Banco Central e abandonasse seu programa extraordinariamente exitoso? Como pode ser que aceitasse as absurdas idéias dos diretores do Banco Central, reunidos sob o nome de COPOM, e iniciassem uma política recessiva a partir do aumento da taxa de juros com o único objetivo de conter a inflação. Pior ainda, como pode a nossa querida lutadora e estudiosa da economia acreditar que este é o caminho correto para conter uma inflação que era ainda baixa e que "ameaçava" explodir, segundo estes economistas geniais. Explosão esta que só existia na cabeça dos 6 diretores do Banco Central. Não houve um só estudo económico que provasse isto. Não houve um só modelo teórico que provasse esta previsão interessada...
Esta é a grande pergunta. Leiam com atenção o artigo do prémio Nobel mais respeitado no mundo atual - Stiglitz. Não se trata de um radical de esquerda e sim de um analista social, político e económico de grande qualidade que não se deixou levar por raciocínios primários sem nenhum fundamento empírico. O "pensamento" económico que sustenta estas políticas é um instrumento direto do capital financeiro. Os aplicadores desta política, como se converteu Dilma inexplicavelmente, pois estou seguro que não raciocina em função de interesses pessoais e sim dos interesses do país, sofrem em todo o mundo o resultado de sua opção: o povo de todos os países do mundo votam sistematicamente contra os chamados "ajustes fiscais" que são um ajuste do gasto público para criar "superávits" fiscais para pagar as dívidas que o sistema financeiro consegue criar em todo mundo.
Os pretextos são válidos mas os papas do neoliberalismo no mundo nunca se atreveram a colocar no cadafalso um país que há vinte anos pratica o superávit fiscal e dispõe de cerca de 400 bilhões de dólares de reserva... E entrega o poder a um contador que quer nos impor o corte de todas medidas económicas de conteúdo social para realizar uma política macro económica inexplicável. Nenhum raciocínio económico, nenhum estudo empirico sério, nenhuma teoria capaz de fundamentar esta política que é rejeitada radicalmente por mais de 70% da população brasileira...
Fiquemos aqui e vejamos como Stiglitz cada vez mais se aproxima das análises que nos conduzem a políticas económicas opostas ao caminho seguido de repente pelo atual governo, eleito para manter sua política anterior - antes do suicídio dos juros altos a serviço do capital financeiro - aperfeiçoando-a é verdade. Ninguém imaginava que que em vez de continuar a política da oposição brasileira que deixou o governo com um inflação de 13%, um dívida externa de 35 bilhões de dólares, um crescimento zero do PIB, um concentração de renda colossal, etc., etc. É hora de pensar bem em quem creemos. O povo brasileiro, como todos os povos do mundo, já tomaram sua decisão.
Theotonio
dos Santos Professor Visitante da UERJ Professor Emérito da UFF
Presidente da REGGEN Prêmio Mundial de Economia Marxiana 2013 Presidente
do Conselho Diretor do CEPPES Membro do Conselho Deliberativo do Centro
Internacional Celso Furtado
Nobel de Economia alerta: sob hegemonia do Ocidente, sistema
financeiro bloqueia metas da ONU, sabota inovações dos BRICS e quer,
agora, punir países que promovam mudanças sociais
A III Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento reuniu-se recentemente na capital da Etiópia, Adis Abeba. A conferência aconteceu num momento em que os países em desenvolvimento e mercados emergentes demonstraram capacidade para absorver produtivamente enormes volumes de recursos. As tarefas que esses países estão assumindo – investindo em infra-estrutura (estradas, geração de energia, portos e muito mais), construindo cidades onde um dia viverão bilhões de pessoas e movendo-se em direção a uma economia verde – são verdadeiramente enormes.
Ao mesmo tempo, falta no mundo dinheiro que possa ser utilizado produtivamente. Poucos anos atrás Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve (Banco Central) dos EUA, falou sobre o excesso de poupança global. Apesar disso, projetos de investimento com elevado retorno social estavam parados por falta de fundos. Isso continua sendo verdade hoje. O problema, à época e agora agora, é que os mercados financeiros do mundo — cuja função deveria ser intermediar eficientemente recursos de poupança e oportunidades de investimento — fazem, ao invés disso, má alocação dos recursos e geram riscos.
Há outra ironia. A maioria dos projetos de investimento de que o mundo emergente necessita é de longo prazo, assim como a maioria dos recursos disponíveis – trilhões em contas de aposentadoria, fundos de pensão e enormes fundos soberanos. Mas nossos mercados financeiros, cada vez mais incapazes de enxergar o longo prazo, atravancam o caminho entre as duas partes.
Muita coisa mudou nos últimos treze anos, desde que a I Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento ocorreu em Monterrey (México), em 2002. Na época, o G-7 dominava as políticas econômicas globais; hoje, a China é a maior economia do mundo (segundo o critério de poder real de compra das moedas), com poupança cerca de 50% superior à dos EUA. Em 2002, as instituições financeiras ocidentais eram consideradas mágicas em gerenciamento de riscos e alocação de capital; hoje, vemos que são mágicas em manipulação de mercado e outras práticas enganosas.
Ficaram para trás os apelos para que os países desenvolvidos honrassem seu compromisso de destinar ao menos 0,7% do seu PIB para ajuda ao desenvolvimento. Algumas poucas nações europeias – Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Suécia e, surpreendentemente, o Reino Unido, em meio a sua austeridade auto-infligida – cumpriram as promessas em 2014. Mas os Estados Unidos (que doaram 0,19% do PIB em 2014) encontram-se muito, muitíssimo atrás.
Agora, os países em desenvolvimento e mercados emergentes dizem aos
EUA e aos outros ricos: se não vão cumprir suas promessas, ao menos
saiam do meio do caminho e deixem-nos criar uma arquitetura de economia
global que trabalhe também para os pobres. Não surpreende que os países
hegemônicos, liderados pelos EUA, estejam fazendo de tudo para frustrar
tais esforços. Quando a China propôs o Banco Asiático de Investimento em
Infra-estrutura, para ajudar a destinar parte de seu excesso de
poupança para onde os recursos são extremamente necessário, os EUA
tentaram torpedear o esforço. O governo do presidente Barack Obama
sofreu, então, uma derrota doída e altamente embaraçosa.
Os EUA estão também bloqueando os caminhos do mundo em direção a uma lei internacional sobre dívidas e finanças. Para que os mercados de títulos funcionem bem, por exemplo, é necessário que se encontre uma forma organizada de resolver casos de insolvência dos países. Hoje, essa forma não existe. Ucrânia, Grécia e Argentina são exemplos do fracasso dos acordos internacionais existentes. A grande maioria de países reclama a criação de um caminho para a reestruturação das chamadas “dívidas soberanas”. Washington continua a ser o maior obstáculo.
O investimento privado também é importante. Mas as novas disposições de investimento embutidas nos acordos comerciais que o governo Obama está negociando, com seus parceiros do Atlântico e Pacífico, sugerem que qualquer investimento direto no exterior terá agora, como contrapartida, uma acentuada limitação na capacidade dos governos de regular o meio ambiente, a saúde, as condições de trabalho e até mesmo a economia.
A posição dos EUA relativa à parte mais disputada da conferência de Adis Abeba foi particularmente decepcionante. Como os países em desenvolvimento e mercados emergentes abriram-se para as multinacionais, torna-se cada vez mais importante que eles possam tributar esses gigantes sobre lucros gerados pelos negócios ocorridos dentro de suas fronteiras. Apple, Google e General Electric têm revelado enorme capacidade de driblar tributos que excedam o que empregaram na criação de produtos inovadores.
Todos os países – tanto desenvolvidos como em desenvolvimento – vêm perdendo bilhões de dólares em receitas tributárias. No ano passado, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos divulgou informações sobre fraude e evasão fiscal em escala global, praticadas graças às regras tributárias frouxas de Luxemburgo, um paraíso fiscal. Talvez um país rico, como os EUA, possa arcar com o comportamento descrito no chamado Luxemburgo Leaks, mas os países pobres não podem.
Integrei uma comissão internacional, a Comissão Independente para a Reforma da Tributação de Corporações Internacionais, que examinou as possibilidades de reforma do sistema tributário atual. Num relatório apresentado à III Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, fomos unânimes em afirmar que o sistema atual está quebrado, e que pequenos ajustes não o consertarão. Propusemos uma alternativa – semelhante ao modo como as corporações são taxadas dentro dos EUA, com lucros alocados a cada estado com base na atividade econômica ocorrida dentro de suas fronteiras. Os EUA e outros países desenvolvidos têm pressionando para fazer apenas pequenos ajustes, a serem recomendados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países mais ricos. Em outras palavras, os países de onde vêm os fraudadores e evasores fiscais, poderosos politicamente, deveriam conceber um sistema capaz de reduzir a evasão fiscal. Nossa Comissão explica por que as reformas da OCDE, ajustes num sistema fundamentalmente falho, são, na melhor das hipóteses, simplesmente inadequadas.
Os países em desenvolvimento e mercados emergentes, liderados pela Índia, argumentaram que o fórum apropriado para discutir tais temas globais é um grupo já existente dentro das Nações Unidas, o Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional e Assuntos Tributários, cujo status e orçamento precisavam ser elevados. Os EUA opuseram-se fortemente: quiseram manter as coisas como no passado, com a governança global feita pelos e para os países desenvolvidos.
Novas realidades geopolíticas demandam novas formas de governo global, com mais voz para países emergentes e em desenvolvimento. Os EUA prevaleceram em Adis Abeba, mas também mostraram que estão no lado errado da história.
Os EUA estão também bloqueando os caminhos do mundo em direção a uma lei internacional sobre dívidas e finanças. Para que os mercados de títulos funcionem bem, por exemplo, é necessário que se encontre uma forma organizada de resolver casos de insolvência dos países. Hoje, essa forma não existe. Ucrânia, Grécia e Argentina são exemplos do fracasso dos acordos internacionais existentes. A grande maioria de países reclama a criação de um caminho para a reestruturação das chamadas “dívidas soberanas”. Washington continua a ser o maior obstáculo.
O investimento privado também é importante. Mas as novas disposições de investimento embutidas nos acordos comerciais que o governo Obama está negociando, com seus parceiros do Atlântico e Pacífico, sugerem que qualquer investimento direto no exterior terá agora, como contrapartida, uma acentuada limitação na capacidade dos governos de regular o meio ambiente, a saúde, as condições de trabalho e até mesmo a economia.
A posição dos EUA relativa à parte mais disputada da conferência de Adis Abeba foi particularmente decepcionante. Como os países em desenvolvimento e mercados emergentes abriram-se para as multinacionais, torna-se cada vez mais importante que eles possam tributar esses gigantes sobre lucros gerados pelos negócios ocorridos dentro de suas fronteiras. Apple, Google e General Electric têm revelado enorme capacidade de driblar tributos que excedam o que empregaram na criação de produtos inovadores.
Todos os países – tanto desenvolvidos como em desenvolvimento – vêm perdendo bilhões de dólares em receitas tributárias. No ano passado, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos divulgou informações sobre fraude e evasão fiscal em escala global, praticadas graças às regras tributárias frouxas de Luxemburgo, um paraíso fiscal. Talvez um país rico, como os EUA, possa arcar com o comportamento descrito no chamado Luxemburgo Leaks, mas os países pobres não podem.
Integrei uma comissão internacional, a Comissão Independente para a Reforma da Tributação de Corporações Internacionais, que examinou as possibilidades de reforma do sistema tributário atual. Num relatório apresentado à III Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, fomos unânimes em afirmar que o sistema atual está quebrado, e que pequenos ajustes não o consertarão. Propusemos uma alternativa – semelhante ao modo como as corporações são taxadas dentro dos EUA, com lucros alocados a cada estado com base na atividade econômica ocorrida dentro de suas fronteiras. Os EUA e outros países desenvolvidos têm pressionando para fazer apenas pequenos ajustes, a serem recomendados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países mais ricos. Em outras palavras, os países de onde vêm os fraudadores e evasores fiscais, poderosos politicamente, deveriam conceber um sistema capaz de reduzir a evasão fiscal. Nossa Comissão explica por que as reformas da OCDE, ajustes num sistema fundamentalmente falho, são, na melhor das hipóteses, simplesmente inadequadas.
Os países em desenvolvimento e mercados emergentes, liderados pela Índia, argumentaram que o fórum apropriado para discutir tais temas globais é um grupo já existente dentro das Nações Unidas, o Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional e Assuntos Tributários, cujo status e orçamento precisavam ser elevados. Os EUA opuseram-se fortemente: quiseram manter as coisas como no passado, com a governança global feita pelos e para os países desenvolvidos.
Novas realidades geopolíticas demandam novas formas de governo global, com mais voz para países emergentes e em desenvolvimento. Os EUA prevaleceram em Adis Abeba, mas também mostraram que estão no lado errado da história.
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