quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

DISCURSO DE APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR EMÉRITO THEOTONIO DOS SANTOS PELO PROFESSOR EURI CO FIGUEIREDO:

Exmo.sr. Professor Sidney Luiz de Matos Mello, Vice-Reitor da Universidade Federal Fluminense, nessa cerimônia representando o Magnífico Reitor da UFF, Prof. Roberto Salles,

Exmo.sr. José Raymundo Martins Romêo, Secretário de Ciência e Tecnologia do Município de Niterói e ex-Magnífico Reitor da UFF,

Ilmo.sr. Diretor do ICHF, Prof. Francisco Palharini,

Ilmo.sr. Chefe do Departamento de Ciência Política, Prof. Marcus Ianoni,

Ilmo.sr. Coordenador de Pós-Graduação em Ciência Política, prof. Carlos Henrique Aguiar Serra,

Ilmo.sr. Coordenador de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos, Prof. Vágner Camilo Alves,

Ilmo.sr. Coordenador de Graduação em Relações Internacionais, prof. Adriano Freixo,

Ilmas. Autoridades e personalidades aqui presentes,

Prezados colegas do corpo docente e alunos do corpo discente,

Funcionários da UFF,

Meu prezado colega e amigo Professor Emérito, Dr. Theotonio dos Santos,

A história das instituições entrelaça-se, indissoluvelmente, com a biografia de seus integrantes. Na Universidade Federal Fluminense, o título X do seu Regimento Geral, denominado “Das Dignidades Acadêmicas”, no item I (primeiro) do artigo 123 º, está prevista a celebração da trajetória excepcional de seus docentes aposentados, conferindo-lhes a honraria denominada “Professor Emérito”. A distinção, uma vez proposta, e após percorrer os devidos trâmites acadêmicos, terá que ser aprovada pelo Conselho Universitário da Universidade, o CUV, requerendo-se, em escrutínio secreto, a aprovação de no mínimo 3/4 (três quartos) dos presentes à sessão do Conselho Universitário na qual a proposição é submetida.

Tive a honra e a alegria de ter sido o proponente da prerrogativa em tela ao Departamento de Ciência Política e a sua Pós-Graduação exatamente no mesmo dia em que o homenageado de hoje completou a data limite para sua aposentadoria, pela via compulsória, em 11 de janeiro de 2007. Aceita pela unanimidade dos colegas, a recomendação seguiu para o colegiado superior desta unidade, onde igualmente tive a oportunidade de apresentar e propor a concessão da láurea, igualmente aprovada por unanimidade pelos meus pares. Concedido o título de Professor Emérito dois anos atrás, devido a uma série de circunstâncias, somente agora se pôde encontrar o momento oportuno para celebrar a concessão da titulação que, de fato, não poderia passar sem a necessária e devida comemoração. Generosamente meus colegas resolveram que deveria também caber a mim o privilégio de, em nome de todos, proferir a saudação ao festejado na solenidade de hoje, o que faço com renovado contentamento.

Serei, tanto quanto possível, breve o que, desde logo adianto, não é fácil, tendo em vista a grandeza, a riqueza e as dimensões que assumem a vida e a obra de Theotonio dos Santos. Dividirei minha apresentação, em vôo de pássaro, em quatro seções, visando realçar aspectos relevantes da formação acadêmica, da carreira docente, da produção científica, sem deixar de atentar, na parte final, para traços marcantes que sobressaem a meu ver na figura humana de Theotonio dos Santos. Minha fala será de caráter indicativo, não podendo e não devendo, nessa oportunidade, tecer análise crítica de sua obra que, além de extensa, é variada e complexa. Parto de necessário preliminar: a figura central nesta ocasião é o próprio homenageado. Cabe-me apenas o papel de mero coadjuvante e, por certo ainda, não o mais qualificado.

A formação acadêmica do homenageado de hoje é marcada pelas vicissitudes políticas que incidiram sobre nosso país e, de resto, grande parte da América do Sul nos anos 60 e 70 do século passado. Formou-se Bacharel em Sociologia, Política e Administração Pública pela Universidade Federal de Minhs Gerais em 1961 e obteve o título de Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília em 1964. Em 1985 obteve o Doutorado em Economia por Notório Saber pela Universidade Federal de Minas Gerais e, em 1993, o Doutorado em Economia, também por Notório Saber, desta vez pela nossa querida Universidade Federal Fluminense.

É impressionante a carreira docente do Doutor Theotonio dos Santos. Muito jovem, foi bolsista e monitor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais em 1958. Já graduado, passou a ser instrutor em tempo integral do Departamento de Ciência Política na ainda tão recentemente fundada Universidade de Brasília, onde permaneceu de 1962 a 1964. A partir daí, com a eclosão do Movimento de 31 de Março no Brasil, viu-se forçado a iniciar longa jornada no exterior. Entre 1966 e 1973 integrou a Faculdade de Economia da Universidade do Chile, onde exerceu também o cargo de Diretor do Centro de Estudios Socio Económicos. Em 1969 recebeu convite para Professor Visitante no Departamento de Sociologia da Northern Illinois University, Estados Unidos. Entre 1974 e 1980 incorporou-se à Divisão de Pós-Graduação de Ciência Política e à Faculdade de Economia e Filosofia na Universidad Nacional Autónoma de México, a UNAM. Em 1979 retornou aos Estados Unidos como Professor Visitante, desta vez no Departamento de Sociologia da State University of New York at Binghamton. Entre 1990 e 1992 foi Professor Associado na Faculty of International Relations - Ritsumeikan University, Kioto, Japão. Em 1991 foi Professor Associado ao Departement d'Économie Politique, Université de Paris VIII. Entre 1989 e 95 exerceu o cargo de Diretor de Estudos da École des Hautes Études des Sciences Sociales, Maison des Sciences de l'Homme, na Universidade de Paris I (Sorbonne). Em 1997 foi designado para o cargo de Coordenador da Cátedra UNESCO e da Rede UNESCO, Universidade das Nações Unidas, sobre “Economia Global e Desenvolvimento Sustentável” (REGGEN), função que ocupa até hoje. Candidatou-se a quatro concursos como Professor Titular. O primeiro se realizou, em 1967, para Professor Titular da Faculdade de Economia no Chile, país que o acolheu após ter sido obrigado a sair do Brasil, por perseguição política, em 1966. O golpe de Estado contra o governo da Unidade Popular de Salvador Allende, em setembro de 1973, forçou-o a um segundo exílio, desta vez no México, onde se apresentou para seu segundo concurso para Titular, desta vez para a Universidad Nacional Autônoma, a UNAM, em 1975. Com anistia no Brasil em 1979, retornou a sua terra e, cerca de seis anos depois, prestou seu terceiro concurso para Titular, em 1985, para a Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Lá permaneceu por pouco tempo, já que, em 1988, foi reintegrado pela Lei da Anistia como Titular no Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, onde se aposentou em 1992. Finalmente, em 1994, prestou seu quarto e último concurso para Titular do Departamento de Economia da nossa querida Universidade Federal Fluminense, onde se aposentou em 11 de janeiro de 2007, após quase meio século no exercício da docência, no Brasil e mundo afora.

A produção científica e intelectual do Professor Titular Theotonio dos Santos provoca impacto naquele que a analisa, tanto pela sua quantidade, como pela sua qualidade, tendo sido publicada em 16 línguas, em vários países e diferentes continentes. O que confere orginalidade e escopo à sua vasta obra não é apenas a largueza de visão e a erudição compreensiva, mas, principalmente, a habilidade de integrar na sua visão do sistema-mundo, vastos conhecimentos retirados da Antropologia, da Ciência Política, da Economia, da Filosofia, da Sociologia e, principalmente, da História.

É autor de cerca de 40 livros, co-autor ou colaborador em outros 80, com mais de 150 artigos publicados em revistas científicas, além de vasta colaboração na imprensa periódica, nacional e internacional. Grandes nomes das Ciências Sociais, neste e no último século, tais como Andre Gunder Frank, Giovanni Arrighi, Immanuel Wallerstein, James Petras, entre outros, com ele produziram trabalhos em conjunto conhecidos mundialmente. Por ocasião de seus 60 anos, em 1997, sua obra mereceu significativa homenagem por parte da UNESCO. Sob sua égide, foi publicado, em 1998, o livro Los Retos de la Globalización, Ensayos en Homenaje a Theotonio dos Santos (“Os Desafios da Globalização, Ensaios em Homenagem a Theotonio dos Santos), em dois volumes que totalizaram 891 páginas. No ano seguinte, em segunda edição, o livro foi publicado sob o patrocínio do Instituto de Relaciones Sociales, sediado no Peru. Nele está firmado o reconhecimento de ilustres scholars da Alemanha, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Estados Unidos, França, Japão, México, Peru, Senegal, entre outros. Escreveu o prólogo da edição peruana o ex-Reitor da UFF, Professor José Raymundo Martins Romeo e, entre os autores brasileiros, lá estão nomes como o do atual Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim; os economistas Rui Mauro Marini, Reinaldo Gonçalves e Vânia Bambirrra e intelectuais como Silviano Santiago, Contribuíram também dois eminentes colegas que pertenceram ao Departamento de Ciência Política da UFF, os queridos e saudosos José Nilo Tavares e René Dreifuss, o primeiro Professor Titular e o segundo, juntamente com o autor desta apresentação, criador e Coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da UFF, o NEST/UFF, durante a gestão, sempre tão louvada entre nós, do então Reitor, professor Raymundo Romeo. Colaborou ainda no livro em homenagem a Theotonio dos Santos outro cientista político credenciado na Pós-Graduação em Ciência Política da UFF, atualmente Chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o professor Carlos Eduardo Martins. Carlos Eduardo que, no início de seu carreira, trabalhou com Theotonio dos Santos, escreveu circunstanciada introdução sobre a vida e a obra do homenageado que, inclusive, muito me auxiliou na elaboração desta apresentação. Em reconhecimento ao seu trabalho, Theotonio dos Santos recebeu, entre outras honrarias e prêmios, os títulos de Doutor honoris causa pela Universidad Ricardo Palma (Lima, Peru), pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos (Lima, Peru) e pela Universidad de Buenos Aires (Buenos Aires, Argentina). Foi consagrado Professor Emérito pela Universidad Ricardo Palma (Lima, Peru) e recebeu a Medalha Bernardo O'Higgins ofertada pelo Governo do Chile, a Medalha Haya de la Torre do Peru e a Medalha do Rio Branco, conferida pelo governo brasileiro, na ordem de Comendador.

Não posso deixar de registrar, finalmente, meu depoimento pessoal sobre a personalidade do homenageado. Sabe-se que o homem e a sua obra mantém complexas relações. A obra pujante e generosa pode, por exemplo, esconder o homem frio e distante de seus semelhantes. O reconhecimento da obra pode levar à arrogância e à soberba. Os títulos e méritos conquistados servem tantas vez ao encolhimento do homem com ser humano, apequenando-o, ao invés de engrandece-lo. Não é nenhum desses o caso do homenageado na tarde de hoje.

Tomei contato com o trabalho de Theotonio em 1965, quando ainda estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao ler seu trabalho intitulado “A Ideologia Fascista no Brasil”, publicado no número três da Revista Civilização Brasileira, em 1965. A revista, naquela época, era considerada um must para os que se opunham a ordem autoritária vigente em nosso país. Causou-me forte impressão a clareza da argumentação e a largueza do escopo interpretativo, situando a circunstância nacional-brasileira no processo de desenvolvimento das relações capitalistas em termos mundiais. Nesse estudo já se encontravam as bases que mais tarde ele desenvolveu no quadro de sua teoria da dependência, tornando-o internacionalmente conhecido. Seria somente em 1981, contudo, que eu teria a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, quando meu colega na UFF, Jésus de Alvarenga Bastos, convidou-me para participar de um grupo de cientistas sociais que se reuniam no Instituto Metodista Bennett, no Rio de Janeiro. Durante o ano de 1982, com as eleições no contexto da chamada “resistência democrática”, acabei por ficar em campo partidário contrário ao de Theotonio, já que ele, ligado ao governador Leonel Brizola, aceitou, em mais um sacrifício, ser candidato ao governo de Minas Gerais pelo PDT, enquanto eu mesmo acabei por assumir a coordenação da campanha do deputado Miro Teixeira ao governo do Rio de Janeiro, pelo PMDB. Passadas as eleições, voltamos a nos reencontrar no referido Instituto, onde passei a coordenar projeto de pós-graduação que, além de sua então mulher, a economista Vânia Bambirra, passou a contar com outro estreito colaborador de Theotonio, o economista Rui Mauro Marini, igualmente de renome internacional. A esses, juntavam-se os de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder, além de outros, tais como Antônio Celso Alves Pereira, Gisálio Cerqueira Filho, Moniz Bandeira e o já mencionado colega e amigo José Nilo Tavares. Infelizmente, por uma série de circunstâncias, não tivemos a oportunidade de implantar na instituição em lide programa de pesquisa e pós-graduação que, se bem sucedido, teria, sem dúvida, se tornado em importante capítulo na história das Ciências Sociais em nosso país. A partir daí passamos a nos ver intermitentemente, mas sempre com manifesta e mútua cordialidade e afeto. Em 2004, convidei-o para integrar o Conselho Acadêmico do Núcleo de Estudos Estratégicos que, com apoio do então Pró-Reitor da PROPP, professor Sidney Luiz de Matos Mello, e decisão do Reitor na época, professor Cícero Mauro Rodrigues Fialho, havia sido reativado em novembro do ano anterior. Em 2005, assumindo a Coordenação da Pós-Graduação do então nascente Pós-Graduação em Ciência Política na UFF, convidei-o também para integrar a recém criada área de Estudos Estratégicos do novo Programa.

Nesses últimos anos tenho tido a oportunidade de conviver mais de perto com Theotonio, conhecendo-o melhor, assim como sua querida mulher, a professora Mônica Bruckman, doutoranda em Ciência Política na UFF, e, não com a freqüência que gostaria, suas adoráveis filhas, as lindas Micaela e Camila. Nesse período foi se imprimindo em minha memória os traços da personalidade de Theotonio, a afabilidade, a gentileza, a simplicidade do modo de ser e sentir, em harmonia com a sua obra, caracterizada pela defesa firme e forte de seus pontos de vista. Mais ainda. Fui observando que a difícil vida por ele enfrentada - exílios, perseguições políticas, dificuldades materiais de toda sorte - não havia em nada alterada a sua personalidade, que se mostrava invariavelmente magnânima, generosa, dadivosa. Não há nela qualquer traço de afetação. Predomina a modéstia. Como dizia Sócrates, faz da humildade o fundamento de sua grandeza. Parece-me que, nas suas relações pessoais, não obstante tenha vivido tanto tempo fora do Brasil, e distante de suas origens mineiras, situadas na boa terra de Carangola, em Minas Gerais, jamais deixou de valorizar a boa conversa, o entendimento, o dialogo com as circunstâncias, matriz primeira da sabedoria, como nos propõe Ortega y Gasset.

Em sua juventude, Theotonio dos Santos vislumbrou também os caminhos da poesia. Busquei um de seus versos:



“A construção existe e sou seu membro”.

Nada mais sei, nada mais encontro.”



O jovem Theotonio se enganou na sua humildade. Construiu, ao longo de sua vida, obra reconhecida mundialmente. Devotou todos os seus esforços e talentos para melhor entender as estruturas de um sistema mundial injusto. Foi sabendo cada vez mais sobre os mecanismos que levam à concentração da riqueza global nas mãos de alguns poucos países ricos, em detrimento da grande maioria, que se vê privada do acesso à educação e à saúde, à cultura e à tecnologia, à habitação e à alimentação,- e tudo mais. Nesse périplo foi se encontrando consigo mesmo, um cidadão do globo terrestre, um incansável e infatigável trabalhador intelectual que se identifica com a busca da dignidade do Homem. Antes de tudo, entretanto, um brasileiro identificado com as causa da emancipação de sua gente e de sua terra.

Foi para mim fonte de orgulho, prazer e honra ter sido encarregado de levar aos presentes esta saudação. O Título de Professor Emérito engrandece ainda mais a biografia de Theotonio. Mas engrandece também a história de nossa querida Universidade Federal Fluminense que tanto amamos. A gratidão e o reconhecimento são pilares da grandeza e da generosidade das instituições que estão destinadas a perdurar ao longo dos tempos.



Muito obrigado.

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