segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Theotonio dos Santos na China - parte final

Hoje publicamos os dois últimos textos da série "Theotonio dos Santos na China", nesta quarta e última parte.

V - Prólogo a Imperialismo e Dependência

Prof. Yuan Xing-Chang, prólogo à edição chinesa de Imperialismo e Dependência, Centro de Estudos da América Latina, Academia Chinesa de Ciências Sociais, Beijing, 1992 (Reeditado em 2003).

"O livro Imperialismo e Dependência escrito pelo economista brasileiro Theotonio Dos Santos é uma das principais obras da Teoria da Dependência. Ela nos dá uma visão compreensiva dos conceitos, metodologia e marco estrutural da teoria da dependência".
"Sua metodologia e poderosas análises são ainda válidas. Este livro serve como uma excelente referência em nossa análise sobre a forma e a estrutura da dependência nos países em desenvolvimento em geral e da América Latina em particular".
"A maior contribuição de Dos Santos é sua definição e explicação do conceito e do significativo fenômeno da dependência."
"Para concluir, toda Teoria é limitada pelo seu ambiente histórico. O mesmo se aplica à Teoria do "Imperialismo e Dependência", tal como foi elaborada por Dos Santos. Contudo, sua essência, a metodologia que ele desenvolve, as análises compreensivas que produz sobrevive ao teste do tempo. Para nós entendermos a situação dos países em desenvolvimento nas relações econômicas internacionais e seu impacto social e econômico nos países em desenvolvimento este livro é uma referência muito importante. Para os formuladores de políticas, este livro coloca questões importantes: como utilizar efetivamente as oportunidades criadas pela expansão das corporações multinacionais? Como usar o capital intelectual com o mínimo de efeitos adversos? E como alcançar o desenvolvimento nacional autônomo sem isolar-se? Estas lições teóricas e práticas podemos aprender neste livro e da experiência latino-americana".

VI - Entrevista ao Suplemento – TBN do The Beijing News

1.Sobre o Desenvolvimento da China

Reporter do TBN (The Beijing News): O Senhor visitou a China por várias vezes, disse que ficou surpreendido pela transformação da China e anotou que as mudanças na China ocorrem não só nas aparências, mas também nos pensamentos das pessoas. O Senhor podia comentar sobre isso?

TDS: O ano de 2005 é a minha quinta visita à China. As mudanças nesse país me surpreenderam. As cidades se renovam; as pessoas vestem-se muito melhor; a população fala abertamente sobre qualquer coisa. Tudo isso indica que os chineses estão se tornando confiantes. A meu ver, no que se refere ao pensamento, ocorreram duas mudanças. Primeiro, as pessoas adotam um ponto de vista não-ocidental, e percebem que a modernização não necessariamente significa a ocidentalização, portanto, o povo quer seguir o caminho próprio de abertura e desenvolvimento. Em segundo lugar, a população adquiriu uma atitude mais equilibrada em relação ao próprio passado histórico, se identifica cada vez mais com a tradição chinesa. Isto é importante. Somente quando a China possua uma abordagem mais inteligente em relação ao passado, então ela consiguirá entender a própria responsabilidade.

TBN: Porque o senhor se preocupa tanto com a transformação da China?

TDS: Ao longo desses últimos anos, a China tem desempenhado um novo papel na comunidade internacional. Os grandes jornais internacionais fizeram grandes reportagens sobre ela. Por isso cresceu e está crescendo o interesse dos outros países sobre a China. A América Latina também tem grande interesse sobre ela. Recentemente, uma empresa chinesa tentou comprar uma empresa norte-americana, isto é novo e significa que a China já possui um poder. O exercício do poder acarreta a responsabilidade. Portanto, há necessidade de a China relacionar-se melhor com o mundo, e o mundo entender melhor a China.
Com o seu crescimento, a China precisa intervir ativamente nos assuntos globais, e adotar uma perspectiva global. Ela percebe que ainda é um dos países em desenvolvimento, e procura cooperar com os outros países em desenvolvimento.

2.Países do Terceiro Mundo chegarão ao centro do poder

TBN: O senhor está coordenando uma rede de intercâmbio de pesquisa e pesquisadores de vários países?

TDS: Sim, estou promovendo um projeto de pesquisa com objetivo de estabelecer uma rede de intercâmbio e pesquisa entre os pesquisadores dos países como Brasil, África do Sul, Índia, Rússia e China. Esses países ocupam um lugar do mundo que não corresponde ao que deveria ser. A população total desses cinco países é de 2/3 da população mundial. A área total destes é de ½ da área terrestre mundial. De acordo com a estimativa do banco Mundial, a soma do PIB (Produto Interno Bruto) desses países também tem um peso grande na economia mundial.
Na opinião das pessoas, o Terceiro Mundo está associado à pobreza. O termo “terceiro mundo” foi criado por um demógrafo francês, que comparava os países não ocidentais ao “terceiro estado” na revolução francesa. O “terceiro estado” que incluía a burguesia e os artesãos foi a força principal da revolução francesa, que derrubou a sociedade feudal dominada pela nobreza e igreja, e entrou no centro do poder da sociedade moderna. No uso do termo “terceiro mundo”, o demógrafo francês também indicou que os países subdesenvolvidos e excluídos poderiam um dia se tornar o centro do poder mundial, da mesma forma como no caso do “terceiro estado” francês.
Agora, alguns pesquisadores tomam como objeto de estudo os países do BRIC, letras iniciais do Brasil, Rússia, Índia e China, mas excluíram a África do Sul. De fato, devemos incluir a África do Sul nesse grupo de países emergentes. De acordo com a estimativa de um banco suíço, esses cinco países se tornarão potências no meado do século XXI. A CIA (Central Intelligence Agency) dos EUA também toma estes como seus objetos de estudos, e a conclusão da CIA é, até o ano de 2030, esses países ocuparão lugares importantes no cenário mundial. Esses países situam-se em diferentes continentes e possuem grandes influências geopolíticas. Por isso, o termo “globalização” adquiriu um sentido importante. A globalização centraliza-se na Europa, nos Estados Unidos e no Japão, mas excluiu muitos países em desenvolvimento.

3.O Neoliberalismo está em Crise.

TBN: Temos a curiosidade de saber mais sobre as suas análises sobre a globalização e o neoliberalismo.

TDS: No ano passado, publiquei um livro “Do Terror à Esperança: o Auge e Declínio do Neoliberalismo”. Nesse trabalho, discutimos a questão da globalização e do neoliberalismo, criticamos a globalização e o neoliberalismo. Nos anos de 1980, os países se relacionam através do livre comércio e do neoliberalismo, mas agora, essa política enfrentou fortes críticas e a teoria do neoliberalismo está sendo questionada.
Analisando as mudanças mundiais e a globalização nos anos de 80 e 90 do século XX, podemos ver que essas mudanças são resultado de uma revolução tecnológica. O avanço da tecnologia faz aumentar a produtividade global, como por exemplo, para satisfazer a demanda do mercado automobilístico, basta 8 a 10 empresas fabricantes. Então, porque ainda existem muitas empresas automobilísticas? Porque existem diferentes sistemas políticos e diferentes blocos econômicos, com diferentes fatores geopolíticos. O livre comércio promove o desenvolvimento mundial do comércio, mas concentra as riquezas nos países no centro do processo. O mesmo no caso das empresas multinacionais. De fato, 40% do livre comércio no mundo são feitos dentro da rede multinacional. Não existe mercado livre, somente mercado monopolista, no qual os grandes conglomerados são protagonistas, com ajuda dos seus respectivos governos para forçar abrir o mercado dos outros países.
Uma outra mudança no mundo está no setor financeiro. Para ampliar a produção, as empresas precisam de capital e de apoio financeiro. Nos anos 70 a 90, a expansão financeira superou a expansão econômica, e essa expansão foi feita pelos grandes conglomerados financeiros. Não houve fluxo livre de capital. O investimento direto também é considerado pelos neoliberais como fatores mais importantes e ativos, mas o investimento direto não ocupa lugar importante na expansão financeira global. A dívida pública e a transferência internacional desempenharam papéis importantes. Acho que o neoliberalismo só funcionou como pretexto e embalagem política, ele não é a causa da mudança política e econômica mundial, ele só serve aos interesses de uma minoria.

TBN: Como o neoliberalismo tornou-se uma teoria de impacto global?

TDS: Depois da Segunda Guerra Mundial, um grupo de economistas da Universidade de Chicago se uniu num hotel de Zurich na Suíça – são economistas influentes no Banco Mundial e nos grandes bancos mundiais. Em 1973, depois do golpe militar no Chile, se tornaram conselheiros do governo de Pinochet, mais tarde, ganharam influência internacional, e receberam apoio do presidente americano Ronald Reagan e da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. Também tinham o apoio de Helmult Koll da Alemanha. A palavra “neoliberalismo” tornou-se divina, o que indica a tendência da intervenção governamental na economia. O surgimento do neoliberalismo tem a ver com a conjuntura política e social da década de 70 a 90, com a globalização financeira da década de 80, a ditadura militar na América Latina e com o conservadorismo dos países centrais.
Neoliberalismo acredita que através da livre concorrência do mercado, aliás um mercado artificial – a prosperidade econômica e a igualdade social podem ser alcançadas. Mas os dados estatísticos dos 80 e 90 mostraram que durante o governo de Clinton, o neoliberalismo criou grandes desigualdades sócias na Europa e na América Latina.
No meu livro, explico as causas do surgimento e declínio do neoliberalismo.

TBN: Como o Senhor vê a prática neoliberal na América Latina?

TDS: Para a América Latina, o neoliberalismo é um terror. De fato, o neoliberalismo está em crise e os países que adotaram políticas neoliberais sofreram efeitos negativos. Nos anos 70, a América Latina cresceu bastantes, mas nos anos de 80, a economia estagnou, eis o resultado da políticas neoliberais. Nos anos 90, as esquerdas assumiram o poder e reivindicaram a suspensão dessa política desastrosa. Porque, se perpetuasse práticas neoliberais, perderiam votos. O ex-presidente argentino Carlos Menem, para eleger-se levantou um pedaço de pizza e disse aos eleitores: “a economia é nada mais do que comida e alimentação”. A conseqüência do neoliberalismo resultou não somente a crise econômica, mas também a crise política. No meu livro, discutimos as alternativas ao neoliberalismo. Acho que para se distanciar do neoliberalismo, é preciso adotar uma nova política, a política industrial, através da renovação tecnológica, produz-se mercadorias de exportação para o mercado dos países centrais, treinar a mão de obra, e utilização eficiente dos recursos naturais. Por isso, não é fácil se separar do neoliberalismo.

4. Antes de ser o cidadão mundial, é preciso primeiro se ter a própria raiz cultural.

TBN: E os intelectuais do Brasil, o que eles pensam sobre a globalização?

TDS: O Brasil tem uma forte tradição nacionalista, mas há divergências no meio dos intelectuais. Alguns são pró euro-americanos, ajoelham-se ao eurocentrismo, e consideram-se membros dos países europeus e dos EE.UU., ao invés de ser cidadão mundial, é melhor chamá-los de cidadãos euro-americanos. Infelizmente, eles são latino-americanos. Por isso, eles se divorciam da realidade cultural. Acho que antes de ser um cidadão mundial, é preciso ser um cidadão do próprio país. Somente quando se tem um contato intenso com a cultura própria e uma profunda compreensão dela, então, se pode transformar num membro da cultura global. Como, por exemplo, o intelectual brasileiro Josué de castro escreveu um livro na década de 50, chamado “Geografia da Fome”, que teve influência mundial. Ele foi condecorado cidadão mundial e foi eleito secretário-geral da FAO da ONU. No livro, ele abordou a questão da fome e pobreza do mundo baseado nos estudos sobre a fome e pobreza do Brasil. Por tanto, ao ser cidadão mundial, é preciso ter sua própria raiz cultural. Hoje, alguns intelectuais brasileiros se consideram como cidadãos do mundo, mas são apenas cidadãos de Londres ou Nova York, sem conhecer Londres e Nova York, menos ainda o Brasil, a própria pátria.

5.Sou um cientista social.

TBN: O senhor tem uma ampla experiência de vida. Participou de muitos movimentos sociais, escreveu vários livros. O senhor prefere ser reconhecido como um estudioso ou como um ativista do movimento social?

TDS: Prefiro ser reconhecido como um cientista social. Na década de 60, havia muitos movimentos sociais. Participei de alguns. Esses movimentos trouxeram grandes mudanças para o Brasil. Tenho experiências interessantes, que me deram idéias e criatividade. Conheço muitas pessoas, experimentei diversas atividades. Por isso a minha visão não se limita a um só país. Claro, o reconhecimento sobre a própria pátria é importante, um estudioso precisa de experiências culturais.
Agora raramente participo das atividades políticas. Faço pesquisa nas universidades brasileiras. Coordeno o projeto de “Economia Global e Desenvolvimento Sustentável” (REGGEN) da UNESCO, uma rede mundial acadêmica que conecta os pesquisadores e as pesquisas sobre a globalização e seu impacto de vários países. Organizaremos conferências internacionais, e a próxima se realizará entre 8-13 de outubro de 2005 na cidade do Rio de Janeiro. O assunto principal é “Alternativas da Modernidade: novas forças emergentes e novos caminhos”. Convidei Samir Amin e os diversos estudiosos de mais de 10 países, tais como, Estados Unidos, China, Índia e Cuba. O presidente e o ministro das relações exteriores deverão participar da conferência. Gostaria que a imprensa da China também desse atenção a esse evento.

Nota do Entrevistador

O nome do Theotonio dos Santos já foi incluído no livro “Who is Who”, não só porque era um dos principais expoentes da teoria da dependência, mas porque como um participante e testemunho dos principais eventos históricos da América Latina na era pós-guerra. Sua obra prima “Imperialismo e Dependência” é umas das principais obras da Teoria da Dependência. No auge da “teoria da dependência”, ele foi obrigado a refugiar-se no Chile, México e nos Estados Unidos. Será que este homem de “cabeça branca” é o mesmo sociólogo quase lendário? Do seu gesto, do seu inglês de forte sotaque português, posso ver o entusiasmo que não se dissipou com o passar do tempo. “Economia é nada mais do que comida e alimentos”.
Suas palavras são apaixonadas como as do Carlos Menen. Será que a Teoria da Dependência já venceu a validade? Não, ela ainda está viva. Theotonio dos Santos já ampliou seus estudos para a globalização. Ele representa a opinião dos países em desenvolvimento. “Devemos manter uma postura crítica em relação à globalização”. Ele é firme nas palavras. Apesar de que, existem muitos a favor dele tem o mesmo numero dos que são contra ele, no seu aniversário de 60 anos, a UNESCO publicou um livro “Os desafios da globalização” em sua homenagem. No seu novo livro “Do Terror à Esperança”, ele despiu as roupagens do neoliberalismo. “Neoliberalismo é um terror para os países latino-americanos, e está em crise”.

Durante a conversa, vejo que ele tem um enorme horizonte do pensamento, até mesmo no caso da China, quer as mudanças sociais, quer a compra do setor de PC da IBM pela LENOVO, nada escapou da sua visão. “A transformação da China é surpreendente, o Terceiro Mundo ocupará posições importantes no meado do século XXI”. Ele afirmou com confiança. Um homem de 67 anos, ele não quer ser reconhecido como ativista social, e se orgulha da cultura e da nação brasileira: “Antes de ser cidadão mundial, é preciso ter a raiz da própria cultura”.

Tradução do Dr. Shu Chang-Sheng.

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