domingo, 5 de julho de 2009

Os "BRICAS"

Theotonio dos Santos

O Banco Merrill Linch produziu um estudo prospectivo sobre a economia mundial que está gerando muita repercussão. Ele localiza quatro países-chave para a economia mundial na metade do século XXI, que ficaram conhecidos como os Bric, formados com as iniciais do Brasil, Rússia, Índia e China. Como este enfoque reflete, em grande parte, realidades regionais, acreditamos que seja necessário incluir entre eles uma potência econômica mais modesta, mas capaz de representar uma realidade demográfica e cultural substancial para pensar o século XXI. Trata-se da África do Sul. Isto nos leva aos Bricas.

Os bancos levam tão a sério este estudo que os presidentes dos 350 bancos privados mais importantes, reunidos no Institute of International Finance (IIF), encaminharam por meio do FMI uma proposta para a transformação do Grupo dos Sete (G-7) no Grupo dos Onze (G-11). Neste caso, se incluiriam os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), ou as chamadas potências emergentes, entre os membros deste grupo, mudando dramaticamente sua natureza.


Em entrevista à imprensa internacional, o diretor-gerente do IIF, Charles Dallara, justificou esta proposta com a afirmação de que "precisamos ter um novo fórum que reflita, ao mesmo tempo, as realidades do mundo globalizado de hoje e a crescente importância dos mercados emergentes".


É necessário destacar que esta proposta busca, ao mesmo tempo, submeter o G-11 ao controle do FMI, criando o que eles chamam de "um enfoque coordenado", que assegure um "ajuste suave e ordenado dos desequilíbrios globais". Trata-se de buscar um enfoque coordenado das "reformas macroeconômicas e estruturais" que garanta ações combinadas no plano da energia e do comércio livre e fortaleça o sistema financeiro internacional.


Como se vê, o capital financeiro internacional localizou seu centro estratégico. E ele busca, evidentemente, a submissão da China, principalmente, e também da Rússia, Índia, Brasil e das regiões por eles influenciadas à disciplina do capital financeiro internacional. É desnecessário dizer que em vez de assegurar o equilíbrio da economia mundial, esta submissão significaria a acentuação dos brutais desequilíbrios globais patrocinados pelo FMI e pelo sistema financeiro internacional. Sendo os mais importantes a concentração regional e social da renda e a contenção do crescimento econômico a favor do capital fianceiro e especulativo.

Para discutir este e outros problemas fundamentais associados à emergência de novas potências internacionais e regionais, a Cátedra e Rede da Unesco e da Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen), que dirijo, convocou seu seminário de 2005 na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 8 e 13 de outubro próximo. Sua convocatória se encontra no site www.reggen.org.br.

Ao lado deste seminário se inicia uma forte articulação entre universidades e centros de pesquisa do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (os Bricas) com o objetivo de estudar e pensar sistematicamente o destino destas potências emergentes na economia mundial. É evidente que não se trata de excluir as demais nações e economias regionais. Está claro, por exemplo, que o Brasil só está neste clube reservado pelo seu papel na criação do Mercosul e na coordenação dos estados sul-americanos, a qual avança cada vez mais rapidamente, entre outras coisas, pelo forte apoio que a Venezuela tem dado a este objetivo.

É evidente também que nos interessa incluir a África do Sul neste projeto pela importância estratégica da África e do Atlântico Sul em qualquer articulação desta dimensão estratégica e geopolítica. Na verdade, seu desenvolvimento encontra-se, no caso brasileiro, limitado dramaticamente pela influência do pensamento neoliberal, esta manifestação moderna da escolástica medieval, sobre suas direções políticas. No momento em que elas se libertarem destas influências arcaicas, estes países deverão apresentar importantes taxas de crescimento e crescente importância estratégica.

Entretanto, o importante é destacar o enfoque avançado destas questões, demonstrado pelos pesquisadores chineses. A reação da Academia de Ciências Sociais da China a esta proposta foi definitiva. Ela envia a esta reunião uma delegação de sete pesquisadores sob a liderança do vice-presidente da Academia de Ciências Sociais, sem contar os convidados chineses independentes.

É impressionante constatar a visão estratégica que a liderança política e intelectual da China incorporou. Esta visão se fez clara quando, nos anos 90, quiseram terminar com o Instituto do Terceiro Mundo na Academia de Ciências Sociais deste país. A decisão de manter este centro revelava uma visão estratégica correta.

O Terceiro Mundo não é o mundo do atraso e da pobreza. Esta é uma realidade circunstancial, fruto de sua posição subordinada no sistema mundial gerado pela expansão mundial do capitalismo. O Terceiro Mundo, como o Terceiro Estado que serviu de imagem para este conceito, representa a rebelião dos povos colonizados e dependentes. Eles não se libertaram do domínio colonial para chorar sua pobreza, mas para impor seus objetivos próprios no planeta.

A China sabe que seu crescente papel na economia mundial deve ter também um significado emancipador para as grandes maiorias da humanidade, que não conseguiram pertencer ao centro do sistema mundial gerado pela expansão colonial e imperialista. Esta é a maneira de converter-se num dos pólos principais de uma nova economia mundial, que começará a tomar corpo na metade do século XXI. A solidariedade com os Bricas pode ser um dos pontos cruciais do Consenso de Pequim, que começa a esboçar-se no panorama contemporâneo.

www.monitormercantil.com.br - 29/09/2005 - 17:09

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