Caro Otavino,
Há dias estou para responder a sua mensagem.
Antes de mais nada, grato por enviar-me seu livro
de memórias, em que revisita os momentos mais
marcantes de sua vida, sem se esquecer de nos
apresentar aos seus pais e familiares. Muitos
fatos narrados por você não eram do meu
conhecimento, porque depois que fui para Brasília,
como professor da UNB (abril de 1962), muito
pouco nos vimos ou falamos. Fresco na memória, só
me lembro de um breve encontro quando, já morando
em São Paulo, e trocamos opiniões sobre o quadro
político de então. Vários companheiros presos,
outros na clandestinidade e alguns já praticamente
descrentes da eficácia da ação política junto aos
trabalhadores e sindicatos. Lembro-me bem que lhe
disse que eu não tinha estrutura psíquica e
fortaleza interior para encarar uma perspectiva de
vida clandestina, participar como "revolucionário"
da luta contra a ditadura e pelo
socialismo. Anteriormente ao golpe de 64, no
entusiasmo pelo marxismo e no ímpeto, como jovem
estudante, de me engajar na ação política, suponha
que seria capaz de enfrentar todos os desafios e
dificuldades que viessem como decorrência da opção
política feita. Mas as agruras, maus tratos,
torturas e sofrimentos vividos pelos companheiros
que iam caindo, e as angustias de seus familiares
e amigos, muito me abatiam e percebi então não ter
estrutura para este tipo de situação. Mas deixemos
de lado a referência e a memória muito penosa
destes fatos.
Voltando aos tempos de Belo Horizonte antes de
minha ida para Brasília, lembro-me bem da sua casa
no Bairro das Indústrias, onde corriam soltas nos
domingos muitas rodadas de truco, com seus
familiares e os companheiros do Sindicato (
Dolinger, Miltom, Alcides ...), a Dona Desinha nos
servindo um café coado na hora, seu irmão
Altamiro, muito jeitoso e, se não me falha a
memória, muito matreiro no truco e no comércio de
"muambas" que ia comprar em São Paulo. Que é feito
do Altamiro? Lembro ainda com especial carinho da
mesa que os companheiros marceneiros tinham feito
com trabalho próprio e me deram como presente de
casamento. Tempos felizes e de muito
companheirismo e alegrias. É interessante porque
a bem dizer, tínhamos contatos muito frequentes
desde que o conheci ( não sei com precisão quando
ocorreu e em que circunstâncias ), na nossa
militância nos inícios da POLOP, no Sindicato dos
Marceneiros, nos cursos sobre marxismo no
Sindicato dos Bancários - e tantos outros fatos
mais. Depois desse tempo, poucas vezes nos vimos.
Daí o meu desconhecimento sobre muitos
acontecimentos de que nos dá conta nas suas
narrativas.
Em resumo, li o seu livro de uma arrancada só e
que me emocionou muito. Vou relê-lo com mais
detidamente. Você me pede críticas. Não as tenho
em parte pelo desconhecimento
de vários fatos relatados em seu livro. Mas,
principalmente, porque a obra, por decisão sua,
tem o deliberado propósito de dar o testemunho da
progressão da vida de um marceneiro que enriqueceu
sua existência como trabalhador militante sindical
e na ação política, buscando na teoria marxista
compreensão e explicação para os acontecimentos e
processos históricos. Em suma, o livro trata da
sua experiência e de como vivenciou uma série de
episódios. Por certo retrata também a sua visão do
que se passava no nosso Brasil ( alcançando por
extensão processos históricos de países vizinhos ,
- no caso do Uruguai, sua própria experiência como
exilado - ) em um período muito rico e pródigo em ensinamentos. Como disse, vou reler mais
detidamente o Fragmentos 1 e espero que outros
fragmentos venham em sequência. Um abraço amigo ao
companheiro e saudações a seus familiares.
Teodoro A. Lamounier
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