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quarta-feira, 8 de abril de 2015

MEMÓRIA E LUTA DE CLASSES

Teodoro Lamounier (um dos fundadores da POLOP, já então professor universitário e militante discreto e firme, deixou a militancia em 1967 por razões emocionais e se reintegrou nas atividades de assessoria para o governo de Minas Gerais onde trabalhou muito firmemente na tentativa de construção de um planejamento racional para o Estado de Minas Gerais que quem sabe poderá ser incrementado agora com a vitória do PT)   reflete sobre o livro de Otavino Silva (marcineiro, miitante da POLOP que chegou à sua direção nacional, depois do golpe passou por situações duras e pelo exílio, voltando ao Brasil para lutar pela formação do Partido dos Trabalhadores no qual milita até hoje, representando a evolução política constante da consciência de classe dos trabalhadores brasileiros). Os comentários de Teodoro Lamounier representam um testemunho discreto, bem mineiro, da nossa intelectualidade  cuja evolução tem sido truncada pelas vacilações e contradições de muitos companheiros que se iludiram sobre o conteúdo imediato da luta de classes que é um fenómeno histórico de longa duração. É magnífico ver como ele continua fiel e atento às idéias que deram origem à Política Operária (POLOP) e como o comoveu e à todos nós a militância profunda de um trabalhador tão fiel à sua classe como Otavino:

Caro Otavino,

Há dias estou para responder a sua mensagem. Antes de mais nada, grato por enviar-me seu livro de memórias, em que revisita os momentos mais marcantes de sua vida, sem se esquecer de nos apresentar aos seus pais e familiares. Muitos fatos narrados por você não eram do meu conhecimento, porque depois que fui para Brasília, como professor da UNB (abril de 1962), muito  pouco nos vimos  ou falamos. Fresco na memória, só me lembro de um breve encontro quando, já morando em São Paulo, e trocamos opiniões sobre o quadro político de então. Vários companheiros presos, outros na clandestinidade e alguns já praticamente descrentes da eficácia da ação política junto aos trabalhadores e sindicatos.  Lembro-me bem que lhe disse que eu não tinha estrutura psíquica e fortaleza interior para encarar uma perspectiva de vida clandestina, participar como "revolucionário" da luta contra a ditadura e pelo socialismo. Anteriormente ao golpe de 64, no entusiasmo pelo marxismo e no ímpeto, como jovem estudante, de me engajar na ação política, suponha que seria capaz de enfrentar todos os desafios e dificuldades que viessem como decorrência da opção política feita. Mas as agruras, maus tratos, torturas e sofrimentos vividos pelos companheiros que iam caindo, e as angustias de seus familiares e amigos, muito me abatiam e percebi então não ter estrutura para este tipo de situação. Mas deixemos de lado a referência e a memória muito penosa  destes fatos.
Voltando aos tempos de  Belo Horizonte antes de minha ida para Brasília, lembro-me bem da sua casa no Bairro das Indústrias, onde corriam soltas nos domingos muitas rodadas de truco, com seus familiares e os companheiros do Sindicato ( Dolinger, Miltom, Alcides ...), a Dona Desinha nos servindo um café coado na hora, seu irmão Altamiro, muito jeitoso e, se não me falha a memória, muito matreiro no truco e no comércio de "muambas" que ia comprar em São Paulo. Que é feito do Altamiro? Lembro ainda com especial carinho da mesa que os companheiros marceneiros tinham feito com trabalho próprio e me deram como presente de casamento. Tempos felizes e de muito companheirismo e alegrias.  É interessante porque a  bem dizer, tínhamos contatos muito frequentes desde que o  conheci ( não sei com precisão quando ocorreu e em que circunstâncias ), na nossa militância nos inícios da POLOP, no Sindicato dos Marceneiros, nos cursos sobre marxismo no Sindicato dos Bancários - e tantos outros fatos mais. Depois desse tempo, poucas vezes nos vimos. Daí o meu desconhecimento sobre muitos acontecimentos de que nos dá conta nas suas narrativas.
Em resumo, li o seu livro de uma arrancada só e que me emocionou muito. Vou relê-lo com mais detidamente. Você me pede críticas. Não as tenho em parte pelo desconhecimento de vários fatos relatados em seu livro. Mas, principalmente, porque a obra, por decisão sua, tem o deliberado propósito de dar o testemunho da progressão da vida de um marceneiro que enriqueceu sua existência como trabalhador militante sindical e na ação política, buscando na teoria marxista compreensão e explicação para os acontecimentos e processos históricos. Em suma, o livro trata da sua experiência e de como vivenciou  uma série de episódios. Por certo retrata também a sua visão do que se passava no nosso Brasil ( alcançando por extensão processos históricos de países vizinhos , - no caso do Uruguai, sua própria experiência como exilado - ) em um período muito rico e pródigo em ensinamentos.  Como disse, vou reler mais detidamente o Fragmentos 1 e espero que outros fragmentos venham em sequência. Um abraço amigo ao companheiro e saudações a seus familiares.
 
Teodoro A. Lamounier

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