segunda-feira, 20 de junho de 2011

Uma vez mais sobre o debate com Fernando Henrique Cardoso

Numa entrevista à Folha de São Paulo, como comemoração dos seus 80 anos, Fernando Henrique volta a insistir na sua estratégia de se fazer consagrar como vitorioso contra o que nos nossos dias vem se consagrando como a “ala marxista da teoria da dependência” composta sobretudo por André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotonio Dos Santos. Não sei se ele ou o jornalista resolvem transformar em fato o que eles crêem ser uma derrota definitiva desta corrente: segundo o jornalista ou o próprio Fernando seus membros representariam uma corrente “catastrofista” e estariam “caídos no esquecimento”.

Quem me manda uma nota que chama a atenção sobre este trecho da entrevista é um aluno do doutorado de Economia Internacional da UFRJ, que envia uma participação para o Congresso Anual da Sociedade Latinoamericana de Economia Política e Pensamento Crítico (SEPLA) que é um desdobramento de várias sociedades nacionais de economia política e pensamento crítico em plena expansão na região. Neste Congresso se organizou uma mesa sobre os 40 Anos da Teoria da Dependência que toma como referência o meu texto publicado na American Economic Review, publicação da Associação de Economistas do Estados Unidos. Nesta ocasião se divulgará a tradução recém realizada deste texto feita por um dos mais representativos professores da Faculdade de Economia da USP. Como assinalo na nota anterior deste blog ao discutir o fenômeno do brizolismo. Lembrem-se que Fernando Henrique pretendeu estar encerrando a Era Vargas com o seu governo. Ele anda enterrando muitas coisas mas o povo brasileiro considera mesmo que ele andou enterrando o Brasil. Por isto ele não acredita que o seu partido o PSDB possa estabelecer um diálogo com o “povão” e pensa seduzir a chamada “nova classe média’ que teria surgido com o “lulismo”, assim como os jovens que desconhecem seu governo.

Se querem maiores antecedentes para este debate, além do meu livro A Teoria da Dependência: Balanço e Perspectivas, Editora Civilização Brasileira (que foi traduzido ao chinês) indico o trabalho do doutorando Fernando Correa Bastos que faz parte de todo um movimento de redescoberta da teoria da dependência no Brasil que tem também uma forte dimensão internacional, na América Latina, no Caribe, na Ásia e nos próprios Estados Unidos, como já chamamos a atenção em outras partes deste blog.

Vejam abaixo: a parte do artigo sobre os 80 anos de Fernando Henrique na Folha de São Paulo e o resumo da comunicação de Fernando Correa Prado.

PERFIL

O provocador cordial

Aos 80, FHC se reinventa

RESUMO
Fernando Henrique Cardoso encontra no ativismo pela descriminalização da maconha uma forma de restituir a articulação entre atuação intelectual e carreira política. Ao buscar um arremate progressista para vida e obra, o ex-presidente delineia seu perfil entre "temperamento conciliador" e "pensamento conflitivo

TRECHO:

“CATASTROFISMO FHC passava a ser o grande adversário das teses catastrofistas em voga na época, segundo as quais países como o Brasil estavam condenados à estagnação e só teriam chances de se desenvolver fora dos marcos do capitalismo. Sociólogos como o americano André Gunder Frank e os brasileiros Theotonio dos Santos e Rui Mauro Marini, conhecidos como "dependentistas de esquerda" -hoje caídos no esquecimento-, partilhavam dessas ideias com razoável sucesso.
Em contraponto a eles, o livro que consagrou a teoria da dependência na versão fernandina seria um desdobramento das análises do "Empresário Industrial".”



História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil*
Fernando Correa Prado**


Resumo

O debate sobre a dependência na América Latina foi imenso. Nos anos 1960 e 1970, um conjunto de intelectuais e militantes, de variada origem e filiação política, tratou do tema da dependência, geralmente utilizando este conceito como característica central de suas análises sobre as regiões periféricas, em particular sobre a região latino-americana. Esse amplo debate ocorreu em muitos países da América Latina e também em outras partes do mundo, repercutindo em diversos intelectuais no mundo todo, gerando uma base teórica e histórica firme para construir uma interpretação crítica do papel da América Latina dentro do sistema mundial capitalista e ainda contribuindo para pensar caminhos políticos de superação das contradições características da estrutura periférica e dependente. No Brasil, porém, essa história foi diferente. Aqui foi se construindo uma espécie de “pensamento único” sobre o tema da dependência centrado em grande medida na perspectiva defendida por Fernando Henrique Cardoso, de tal modo que se firmou um relativo desconhecimento e até mesmo deformação das contribuições inscritas na tradição marxista, dentro da qual estariam as obras de Andre Gunder Frank, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marini. Revelar como isso foi produzido e reproduzido em diversas e influentes publicações é a principal intenção deste artigo.

Palavras-chave: pensamento econômico-social brasileiro; teoria marxista da dependência;
debate intelectual.

Abstract

The debate about dependency in Latin America was immense. In the sixties and seventies, a group of intellectuals and activists of varied origin and political affiliation adopted the issue of dependency, often using this concept as a central element of their analysis on the peripheral regions, particularly on the Latin American region. This extensive debate took place in many Latin American countries and also in other parts of the world, reflecting in several intellectuals worldwide, generating a firm theoretical basis and historical interpretation about the role of Latin America within the world capitalist system, and even helping to think about ways of overcoming political contradictions of the peripheral and dependent structure. In Brazil, however, this history was quite different. Here existed a kind of “unique thought” on dependency analysis, focused largely on the approach produced by Fernando Henrique Cardoso, giving place to a relatively ignorance and even deformation of the contributions inserted in the Marxist tradition, within were inscribed the works of Andre Gunder Frank, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra and Ruy Mauro Marini. Reveal how it was produced and presented in several influential publications is the main intention of this paper.

Key words: Brazilian social-economic thought, Marxist dependency theory; intellectual debate.

* Esta é uma versão reduzida de um texto originalmente escrito para o seminário “Teoria marxista da dependência no Brasil: de Ruy Mauro Marini aos dias de hoje”, realizado no dia 04 de novembro de 2010 como parte do II Curso sobre Conjuntura - Marxismo latino-americano, Imperialismo, e a conjuntura políticoeconômica de nosso continente, organizado pelo jornal Brasil de Fato e Escola Nacional Florestan Fernandes.

Agradeço a revisão e os comentários de Gustavo Pinto de Araújo, assim como a leitura crítica de Rodrigo Castelo. Obviamente, todos os problemas do artigo são de minha completa responsabilidade.

** Economista pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Nacional Autônoma do México e atualmente doutorando em Economia Política Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Correio eletrônico: fernandoprado@gmail.com

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