Jornal Monitor Mercantil online - 24/04/2009 - 20:04
Crise: o pior ainda está por vir
Na opinião do Coordenador da Cátedra e Rede Unesco/UNU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen), Theotonio dos Santos, ninguém deve acreditar que o pior da crise mundial já passou. "O impacto negativo das intervenções que estão fazendo ainda não são perceptíveis. O que aparece são as medidas para deter a falta de liquidez, não a da população, mas do setor financeiro. Isso gerou uma massa colossal de dinheiro fictício", comenta Theotonio, que é integrante do Conselho Editorial do MM.
No médio prazo, o coordenador do Reggen avalia que o dólar sofrerá forte desvalorização, enquanto a China emergirá como o país mais beneficiado pela crise. O país asiático, que já publicou seis livros de Theotonio, pretende acentuar sua influência no setor financeiro.
Nesta entrevista exclusiva, ele traz suas impressões sobre as diversas reuniões voltadas para a crise das quais participou, em vários países. Em alguns deles, como no México, foi homenageado com o título de doutor honoris causa pela Universidade de São Marcos, a mais antiga das Américas.
Por que o senhor afirma que os setores financeiros dos países centrais deixaram o mundo a mercê da crise?
Está claro que este não é o ciclo final do capitalismo nem a repetição da crise de 1929. O que está acontecendo agora reflete uma crise estrutural do sistema e as iniciativas para resolvê-la na verdade estão agravando suas causas. Uma vez resolvida a fase da recessão, iremos para um período muito pior. A utilização de recursos do Tesouro aumenta a intervenção do Estado na economia, mas não para favorecer a população, e sim para aumentar a concentração da renda e o desequilíbrio econômico mundial.
Quando essas distorções ficarão mais evidentes?
Os cenários de evolução são graves a médio e longo prazo. Imediatamente, o que aparece são as medidas para deter a falta de liquidez, não a da população, mas do setor financeiro, o que gerou uma massa colossal de dinheiro fictício. O Estado sustenta isso com emissões, pois não poderá cobrar da população através de impostos. Em dez anos, virá o fenômeno da desvalorização do dólar. Até aqui a venda de títulos do Tesouro americano tem subsidiado o déficit comercial. Isso está chegando ao fim. A China, por exemplo, como bom credor, avança para fazer exigências.
Concorda com as previsões de que a China sairá mais forte da crise?
Seguramente, a China será o país mais beneficiado. Há quatro anos eles estão se preparando para a crise. Estive num centro de estudos do comitê central e constatei que tomaram posição muito clara: apostam no mercado interno. Nesta semana, o primeiro ministro anunciou que a destinação de recursos para ampliação do mercado interno está trazendo resultados muito melhores que o esperado, porque o dinheiro vai para as regiões mais pobres, sobretudo para o campo. Os setores mais populares geram mais empregos com menos investimento. É um encaminhamento muito correto de política anti-cíclica. O pacote chinês, de US$ 600 bilhões, é quase igual ao que Obama está destinando para suas políticas, se for excluída a ajuda aos bancos.
Qual o objetivo da China ao colocar recursos no FMI?
Ao aportar recursos no FMI, os líderes chineses pensam que terão influência maior. Certamente haverá uma reestruturação, com maior peso para os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), porém os economistas serão os mesmos. Além do problema da limitação dos técnicos, os recursos mal geridos, do ponto de vista da corrupção. Joseph Stiglitz (economista, Prêmio Nobel) aponta vários casos em um de seus livros. Há casos também de estudos feitos para um país que são repassados para outros. Recomendam, por exemplo, a formação de bancos populares, mas os empréstimos são pequenos e os gerentes ganham muito. Esse padrão inviabiliza ações tipo luta contra a pobreza. O melhor negócio para ganhar dinheiro ultimamente é estudar a pobreza.
De que maneira a China exercerá o poder adquirido com a crise?
Até aqui os chineses têm atuado sob perspectiva mais comercial, mas terão que se preparar também para o financeiro. Por isso estão querendo entrar no FMI. Já conseguiram nomear o vice-presidente de pesquisa do Banco Mundial (Bird). Há mais de dez anos venho os alertando para o fato de que a China iria se converter numa potência financeira. De início jogaram no mercado financeiro mundial, até que veio a crise de 1997. Depois o debate passou a ser como usar essa liquidez, principalmente agora quando os maiores países estão com problemas de liquidez. Os Árabes também têm excedentes e os estão usando na compra de empresas com perspectiva futura de converter essa liquidez em domínio de capacidade produtiva.
Mas os chineses acumularam reservas com títulos do Tesouro americano...
Ser o principal credor dará à China um grande poder de influência sobre os EUA. No entanto, parte da liquidez também será investida em países fornecedores de matérias-primas, como a África. É uma pena que o Brasil não tenha sido capaz de absorver investimentos chineses e tenha que remeter US$ 50 bilhões por ano em dinheiro especulativo.
O Brasil vai ganhar influência ajudando o FMI?
Não há nenhuma razão para ajudar o FMI. Por que não investir no Banco do Sul?
Não temos nenhum brasileiro ocupando a presidência de uma instituição de pensamento mundial. Perdemos até a presidência da Cepal para o México.
Que outros países poderão influir no mundo pós-crise?
Observar a Índia também é muito importante. A grande alternativa para a crise é uma renovação civilizatória profunda, que não apenas mude hábitos de consumo e o papel do setor privado na organização da vida coletiva, mas também cultive o respeito pelos povos. No debate sobre Cuba, Obama só diz que o país tem que trocar o regime por democracia. Ora, Cuba é uma das democracias mais avançadas, que funciona muito bem. Qual ditadura agüentaria uma restrição econômica tão grande? Pinochet, com toda ajuda americana, não agüentou 15 anos. Cuba está fora das acusações da ONU quanto a direitos humanos. Quem está são os EUA. Não dá para comparar as prisões cubanas com as brasileiras, por exemplo. Na época da revolução houve condenações, mas após julgamento. Temos que caminhar para um processo civilizatório que respeite todos os povos.
Como os indianos podem nos ajudar?
Eles conseguiram resistir à civilização ocidental de forma brilhante. Os chineses começaram a trabalhar nisso nos últimos 15 anos e agora estão acelerando. Índia e China são civilizações milenares, não têm porque se converterem a um projeto ocidental, nem mesmo ao marxismo, que é uma grande proposta, representa um avanço muito grande no conhecimento, porém, pretender substituir cinco mil anos de História com propostas teóricas é um absurdo.
Que impressão lhe causou o México?
A situação é dramática. Dependente da demanda americana, o México vem sofrendo duramente efeitos da crise. A droga virou uma das salvações. E a briga na fronteira não é porque os EUA não querem comprar drogas. Na verdade, eles querem comandar o mercado da droga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário