“Conferência BRICS no século XXI” aprova documento Consenso do Rio
Especialistas dos cinco países do bloco pedem Estado com forte poder regulatório, pelo fim das desigualdades sociais e como motor do desenvolvimento sustentável
A “Conferência BRICS no século XXI”, realizada de 20 a 23 de maio no Hotel Novo Mundo, Rio de Janeiro, terminou com a apresentação de uma pauta propositiva chamada de Consenso do Rio, defendendo que governos e sociedades dos países integrantes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) promovam o desenvolvimento econômico tendo como base uma forte presença regulatória do Estado. Segundo o documento, o Estado deve promover o desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade ambiental, visando ao pleno emprego, a redução da pobreza e da desigualdade.
O Consenso foi resultado dos debates realizados no auditório da Coppe/UFRJ com intelectuais e especialistas renomados que representaram os cinco países do bloco e trouxeram propostas alternativas ao pensamento neoliberal nos campos da Economia, da Política e das Ciências. Ressalta o elevado desempenho econômico e social dos Brics frente aos países industrializados avançados lembrando que, apesar da crise que ainda vivem, suas elites teimam, para pagar menos impostos, em manter a política de mínima participação do Estado na economia e a chamada autorregulação do mercado. O documento apresenta 12 itens propositivos como um conjunto de estratégias que vêm sendo usadas ou que os especialistas acreditam que devam ser usadas pelos Governos dos BRICS.
Sobre a conferência
A “Conferência BRICS no século XXI” foi organizada pelo Intersul (Instituto de Estudos Estratégicos para a Integração da América do Sul) em parceira com a Coppe/UFRJ, e contou com o patrocínio do BNDES e apoio da Caixa, do Ministério do Planejamento, do Governo Federal, da construtora Odebrecht e do Sinergia. O objetivo principal foi avaliar a emergência de novos paradigmas no campo da economia, da geopolítica, nas ciências e em outros campos do conhecimento humano, superando os paradigmas do neoliberalismo que entraram em colapso, sobretudo a partir da crise financeira iniciada em 2008 e que ainda persiste nos países industrializados avançados.
O Consenso do Rio/Íntegra
BRICS NO SÉCULO XXI
CONSENSO DO RIO
Como participantes da Conferência BRICS no Século XXI, que reuniu no Rio, de 20 a 23 de maio, especialistas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, expressamos a convicção de que é tarefa fundamental dos governos e das sociedades de nossos países manterem como prioridade absoluta promover o desenvolvimento econômico como esteio do desenvolvimento social com sustentabilidade ambiental, tendo em vista o imperativo de garantir o pleno emprego e reduzir a pobreza e a desigualdade econômica, o que jamais ocorrerá numa sociedade estagnada.
Consideramos lamentável o fato de que, não obstante a aguda crise social e de desemprego por que passam os países industrializados avançados, a maioria deles se recusa abertamente ou se omite em tomar iniciativas no campo fiscal e monetário para a retomada do crescimento econômico. Com isso prejudicam, sobretudo na Europa, grande parte de sua população assim como às populações dos demais países, inclusive emergentes, que se defrontam com o estreitamento do mercado mundial e com as pressões comerciais superavitárias que visam a compensar a ausência de políticas fiscais e monetárias ativas.
Entendemos que a superação da presente crise nos países industrializados avançados não pode ser uma escusa para uma escalada bélica no mundo. Não é demais lembrar que estamos na era nuclear e isso cria um virtual nivelamento de poder destrutivo entre nações nuclearizadas. Não há como sair ganhando numa guerra mesmo convencional na era nuclear. Os temas geopolíticos têm necessariamente que ser levados à mesa de negociações, respaldados pela força democrática dos povos, livres de qualquer tipo de pressão e sanções unilaterais.
No campo econômico e social, é indiscutível que os países BRICS estão tendo um desempenho superior ao dos países industrializados avançados, cujas elites ainda teimam, para pagar menos impostos, em manter o receituário do Estado mínimo e da autorregulação dos mercados – não obstante o colapso dessas teses no bojo da crise em curso. Por isso, afirmamos nossa concordância com as linhas gerais das estratégias que vêm sendo usadas ou que devem ser usadas por nossos governos, e que reputamos sejam, em grande parte, as causas essenciais desse desempenho. São elas:
1. Forte presença reguladora do governo central na economia, especialmente em setores estratégicos, e compromisso em garantir bens básicos para a população;
2. Presença de um forte sistema de bancos públicos de desenvolvimento, que faz a correia de transmissão entre planejamento e o financiamento de médio longo prazo;
3. Presença de fortes empresas estatais estratégicas, com capacidade de aplicar as decisões de planejamento e exercer um poder de arraste sobre o setor privado;
4. Compromisso com políticas fiscais anticíclicas, isto é, expansivas na recessão e contracionistas no boom;
5. Controle de capitais para evitar ondas financeiras especulativas;
6. Política de integração econômica estrategicamente planejada;
7. Forte compromisso com a adoção de estratégias de desenvolvimento sustentável e estabelecimento de acordos de padronização para os respectivos resultados;
8. Busca comum de desenvolvimento tecnológico que permita que os países BRICS se tornem mais competitivos em termos globais;
9. Troca de recursos educacionais e culturais com o suporte dos governos e para o desenvolvimento de pesquisas comuns;
10. Os governos BRICS precisam trabalhar por um comércio mais equilibrado movendo-se no sentido de um maior balanço no processamento nacional de matérias primas;
11. Compromisso efetivo dos governos para colocar em prática as políticas de combate à pobreza e a desigualdade econômica;
12. O Conselho dos BRICS deve estar pronto para agir como mecanismo de implementação de todos os princípios citados a qualquer momento que for requisitado para isso.
Por certo que nem todos os países BRICS usaram da totalidade desses instrumentos para o enfrentamento das consequências internas da crise internacional. Contudo, mesmo uma observação superficial leva à conclusão de que os que melhor se saíram foram justamente aqueles que usaram mais decididamente uma combinação mais ampla desses recursos de política econômica.
Rio de Janeiro, 23 de maio de 2014.
Vladmir Davydov
Formado em economia pela Lomonosov Moscow State University, Vladimir Davydov também é doutor em economia e ocupa o cargo de diretor do Instituto da América Latina junto à Academia de Ciências da Rússia. O economista é membro da Academia Russa de Ciências Naturais e membro da Presidência do Comitê Nacional para a Promoção de Cooperação Econômica com os Países Latino Americanos.
Davydov é um defensor dos Brics e avalia que os países integrantes do bloco devem ter um modelo organizacional que possibilite o compartilhamento de opiniões e a busca de um consenso e resulte em decisões rápidas.
Para o economista russo, o Brasil e a Rússia podem cooperar mutuamente nos campos da energia nuclear para fins pacíficos e na exploração do espaço.
Elena Bryzgalina
Contato: evbrz@yandex.ru
Elena Bryzgalina é a responsável pelo Departamento de Educação da Escola de Filosofia da Lomonosov Moscow State University. Especialista em Filosofia na ciência e na educação, ela também é membro da Comissão de Bioética na mesma instituição.
Elena tem como foco de trabalho o debate a respeito da bioética e durante a conferência abordará três tópicos: Genética e o futuro da humanidade: uma pessoa pode se tornar co-autor da evolução biológica?; Estado e genética: quais podem ser as consequências do desenvolvimento da identificação genética de uma pessoa?; Genética e desigualdade social: pode a desigualdade biogenética se tornar a base para a igualdade social?
Os xenotransplantes – transplantes de células, tecidos e órgãos entre espécies diferentes, como de animais para seres humanos – e todas as suas implicações éticas estão entre os temas que a professora abordará. Os poderes de decisão sobre vida e a morte também serão questionados pelos critérios da bioética utilizando um exemplo que Bryzgalina costuma citar em suas palestras: a remoção do suporte à vida do líder palestino Yasser Arafat não foi tão condicionada pela gravidade da sua doença e a irreversibilidade do seu estado, mas pelo fato de que, em um determinado momento, a esposa dele conseguiu fechar um acordo com a liderança palestina.
Boris Martynov
Boris Martynov é vice-diretor do Instituto da America Latina da Academia de Ciências da Rússia. Profundo conhecedor dos aspectos políticos, sociais e econômicos da América Latina, o russo tratará sobre as perspectivas de uma nova ordem mundial, na qual os BRICS poderão ter um papel proeminente no que diz respeito ao direito internacional e à diversificação etnocultural.
Martynov é Membro do Conselho Cientifico de Segurança da Federação Russa.
Santosh Mehrotra
PhD em Economia pela Universidade de Cambrigde, Santosh Mehrotra é um especialista independente que atualmente contribui com o governo indiano, atuando como conselheiro sênior para o desenvolvimento rural, conselheiro econômico para os setores sociais da Comissão de Planejamento e lidera a equipe responsável pelo Relatório de Desenvolvimento Humano da Índia.
Ele também já integrou os quadros do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas (ONU), tendo desempenhado as funções de conselheiro econômico para a Ásia e economista-chefe responsável pelo Relatório Global de Desenvolvimento.
Mehrotra é um economista focado no desenvolvimento humano e seus principais objetos de pesquisa abrangem a indústria e o comércio, o impacto das políticas macroeconômicas na saúde e na educação, o setor informal e a economia das áreas da saúde e da educação.
Brahma Chellaney
Contato: bc@live.in
O indiano Brahma Chellaney é especialista e PhD em controle internacional de armas e analista em tendências geoestratégicas internacionais. Em 2012, ele o foi vencedor do prêmio Bernard Schwartz Book pelo seu trabalho “Asia's New Battleground”, que trata a água como objeto de disputa no mundo atual.
A falta d’água que tanto nos preocupa hoje poderá, segundo Chellaney, em um futuro nem tão distante, motivar até mesmo guerras internas e externas entre os países. E este é um dos temas que ele abordará durante a conferência.
O indiano também já trabalhou como jornalista, na função de correspondente da Associated Press (AP), no Sul da Ásia. Um dos seus trabalhos de maior repercussão foi a cobertura da Operação Estrela Azul, em 1984. Na ocasião, o governo indiano deslocou as tropas do exército para o Templo Dourado, o mais sagrado santuário Sikh, com o intuito de prender Jarnail Singh Bhindranwale e seus apoiadores, que eram acusados de atos terroristas. O confronto resultou nas mortes de 83 soldados e 492 civis. Suas matérias também já foram veiculadas em outros veículos de imprensa de renome mundial com o The New York Times e o The Guardian.
Qian He
He Qian é professora e doutora pela da Escola de Ciência Alimentar e Tecnologia da Universidade de Jiangnan e auditora sênior do Sistema de gerenciamento de segurança alimentar do Centro de Certificação de Qualidade da China. Especializada em pesquisa e aplicação do controle de segurança alimentar e controle de qualidade, gerenciamento e tecnologia, a Dra. Qian já publicou mais de 100 artigos.
Formada em Química e Análise de Instrumentos, He é responsável por ministrar os cursos de “Princípios de Higiene dos Alimentos”, “Princípios e Aplicações do Sistema de Controle de Qualidade dos Alimentos Modernos”.
De 1990 a 1991, ela foi gerente do Departamento de Desenvolvimento de Produtos e Garantia da Qualidade da Companhia de Alimentos Wuxi Hoajiaxiang. Entre 1983 e 1987, Qian He desempenhou a função de assistente de gerente no Departamento de Controle de Qualidade dos Alimentos, do Instituto de Alimentos e Fermentação de Jiangsu.
O agravamento da fome no mundo é uma das preocupações da professora. Ela alega que o problema da falta de alimentos se agravou drasticamente após a eclosão da crise mundial de 2008. Qian se baseou em dados do Banco Mundial que apontou que, entre 2010 e 2011, o aumento dos preços dos alimentos empurrou cerca de 70 milhões de pessoas para o nível de pobreza extrema. Qian ressalta ainda que apenas 1/4 da população mundial, situada nos países desenvolvidos, concentra 51% da produção mundial de alimentos. Durante a conferência a chinesa defenderá a tese de que o manejamento da água é um dos requisitos fundamentais para a produção agrícola, principalmente o desenvolvimento de novas e modernas técnicas de irrigação de extensas áreas rurais.
Qixing Zhou
Qixing Zhou é Ph.D. em poluição ecológica pela Chinese Academy of Sciences e decano pela Escola Faculdade de Ciências e Engenharia do Meio Ambiente da Universidade de Nankai. Respeitado no meio acadêmico, Zhou foi agraciado com o Prêmio China Youth Prize of Science and Technology. Suas pesquisas se concentram na recuperação ecológica de ambientes contaminados e novas tecnologias desenvolvidas para o tratamento de águas residuais e engenharia ambiental urbana.
Durante a conferência, o chinês abordará sobre a necessidade da promulgação de normas ambientais que deem suporte ao desenvolvimento econômico.
Zhang Yan
Zhang Yan é Ph.D. em Economia Aplicada pela Escola de Gestão Guanghua da Universidade de Pequim. Suas áreas de pesquisa incluem economia pública e macroeconomia. A economista chinesa também é autora de vários de trabalhos acadêmicos publicados em diversas revistas especializadas.
Mario Scerri
Mario Scerri é professor de Economia e pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Econômica em Inovação (IERI) da Universidade de Tecnologia de Tshwane, África do Sul. Seu foco de pesquisa é a evolução dos sistemas de inovação, principalmente do ponto de vista da Economia Política. Ele é o autor de “A Evolução do Sistema Sul-Africano de Inovação” e coeditor de três livros sobre os sistemas nacionais de inovação nos BRICS.
Scerri avalia se o “fenômeno” dos BRICS constitui, ou tem a possibilidade de constituir, uma ruptura na evolução do sistema global de inovação ou se representa o surgimento de uma nova variedade do capitalismo.
Rasigan Maharajh
Contato: rasigan@ieri.org.za
Rasigan Maharajh é o diretor-chefe do Instituto de Pesquisa Econômica de Inovação da Faculdade de Economia e Finanças da Universidade de Tecnologia de Tshwane, na África do Sul. Na instituição, suas pesquisas incluíram economia política evolutiva, sistemas de inovação, políticas públicas, desenvolvimento econômico, coesão social e governança democrática.
Maharajh também é pesquisador do Instituto Tellus, em Boston; e professor-visitante do Instituto George Perkins Marsh, da Universidade Clark, em Worcester, EUA.
Com fortes laços com o Brasil, onde ele já atuou como professor-visitante no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rasigan Maharajh defende a atuação conjunta dos países que formam o Brics como forma de criar um futuro sustentável.
Rasigan é bacharel em Artes pela Universidade de KwaZulu-Natal da África do Sul e doutor em Filosofia pelo Instituto Forskningspolitiska, da Universidade de Lund, da Suécia.
O sul-africano já atuou como ativista em diversas frentes como: Responsável por Política no Conselho de Pesquisa Científica e Industrial (1997 - 2004) e Coordenador Nacional de Ciência e Tecnologia, no Projeto de Transição Política durante o primeiro governo democrático da África do Sul (1995 - 1997) .
Antes, ele esteve envolvido em ações voltadas para a educação de adultos e desenvolvimento humano como pesquisador sênior de Política de Educação na Universidade KwaZulu-Natal de Natal; foi coordenador nacional e pesquisador do movimento “ Operation Upgrade” da África do Sul (1993); assistente de pesquisa da Unidade de Macro-Política da Educação da Universidade de Durban-Westville (1992) e assistente de pesquisa e editor do Projeto Comunidade e Trabalho do Conselho Sul-Africano de Educação Superior (1988 - 1990). Paralelamente, Rasigan ocupou posições de liderança interna da Frente Democrática Unida, no Congresso de Sindicatos da África Sul e no Congresso Nacional Africano.
José Carlos de Assis
Luiz Pinguelli Rosa
Darc Antônio Costa
Dércio Garcia Munhoz
Samuel Pinheiro Guimarães
Severino Cabral
Theotônio dos Santos
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