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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Financeirização, Capital Fictício e Capitalismo de Estado

O Professor Theotonio dos Santos realizou entrevista a Rogério Lessa do Monitor Mercantil (8 a 10 de fevereiro de 2014, P. 3), Jornal diário do Rio de Janeiro, de cujo Conselho Editorial é membro. Theotonio dos Santos foi recentemente agraciado com o Prêmio Mundial de Economista Marxiano, outorgado pela Associação Mundial de Economia Política (WAPE, na sigla em inglês).

Nesta entrevista o Economista Político aprofunda e atualiza os estudos que tem realizado sobre o papel do Capitalismo de Estado na gestão do colossal excedente econômico criado pelo avanço extraordinário da revolução científico-técnica.

Os Estados Nacionais vêm transferindo massivamente a renda nacional apropriada pelos mesmos, produto do trabalho de coletividades gigantescas submetidas a condições de trabalho e de remuneração decrescentes devido às políticas chamadas de "austeridade", que orientam o excedente econômico produzido pelos gastos sociais para a "necessária" e "indispensável" remuneração dos donos do capital financeiro - simples "especuladores" transformados magicamente em "investidores". 

Veja em seguida o texto da entrevista:

 Financeirização e capital fictício

[...] o cientista social Theotonio dos Santos, professor emérito da Universi-
dade Federal Fluminense (UFF) e integrante do Conselho Editorial do MM, frisa que a força dos bancos reside justamente no controle dos Estados nacionais e da mídia, pois sem a ajuda dos governos, viabilizada pela imposição de uma ideologia favorável a eles, o neoliberalismo, “estariam virtualmente quebrados após 2008”.

Santos credita esse poderio à concentração do capital e posterior passagem à fase de financeirização e produção de capital fictício, decorrente do desenvolvimento das forças produtivas, conforme previsto por Marx e Engels
.
“Não creio em grupos conspiradores.
Existem, sim, centros de articulação das forças do grande capital em geral. Nem sempre com a mesma visão política, mas com pontos em comum a discutir, algo que é possível até pelos meios que dispomos atualmente. Os judeus, por exemplo, sempre tidos como fortes, não estão neste momento com muita força, pelo contrário, estão isolados cada vez mais e com dificuldade de manter a posição”, analisa, acrescentando que os judeus tiveram importância maior nos Estados Unidos no início do século XX do que agora: “A maior parte dos grandes grupos norte-americanos como Morgan, Rockefeller, Ford não são judeus”, resume.

Ascensão chinesa

No entanto, Santos adverte que, dentro do setor financeiro, 20 bancos têm o poder de influir sobre todo o setor financeiro mundial: “É da natureza do setor financeiro. Na década de 1990, os maiores bancos do mundo eram japoneses, mas, primeiro os banqueiros privados japoneses quebraram o Estado e, em seguida, também perderam poder econômico”, recorda.

Embora tenham recuperado a liderança no século XXI, a hegemonia dos bancos ocidentais pode estar com os dias contados. Basta, segundo Santos, que a China resolva se abrir para o mercado financeiro internacional.

“Os maiores bancos do mundo hoje são chineses, mas operam pouco em nível internacional. Há uma grande discussão na China no sentido de se abrir para o mercado financeiro mundial. Só em reservas os chineses detêm quase US$ 4 trilhões. Nesse mercado fictício, isso pode ser alavancado em cinco vezes, sem risco. Esse valor chegaria a US$ 20 trilhões e superaria o PIB dos EUA em títulos e negócios que podem ser lançados pela China”, contabiliza.

 “Além disso, as propriedades sobre em-
presas e negócios controlados pelos chineses, que podem ser usados como lastro para emissão de títulos, são da ordem de US$ 15 trilhões. Isso multiplicado por cinco vezes totaliza colossais US$ 75 trilhões”, completa.

Produção x especulação
Apesar de ter potencial para “dominar o sistema financeiro mundial rapidamente”, na opinião do professor da UFF, os bancos chineses enfrentariam o risco de ter de aceitar as regras vigentes no sistema internacional: “Os bancos chineses ainda são voltados para a produção, para a economia real, não capital fictício. Se entrarem, o manejo seria feito pelo setor privado? Ele ficaria mais poderoso do que o Partido Comunista Chinês. Não é igual ao Brasil, onde os bancos têm solidariedade da imprensa e podem arrebentar com o governo se quiserem”, recorda.

Neoprogressismo

O professor emérito da UFF observa ainda que, conscientes do esgotamento político e econômico do ideário neoliberal, os setores mais conservadores e poderosos estariam ensaiando um “neoprogressismo”, baseado em gastos sociais semelhantes ao Bolsa Família brasileiro, mas sem potencial efetivamente transformador. Santos adverte para o perigo dessa opção.

“Uma ala do grande capital está preocupada em dar uma base objetiva a esse mercado mundial que representa os dois bilhões de pessoas que vivem na miséria atualmente. O Banco Mundial (Bird) pro-
pôs uma política de renda, mas é muito caro administrar. O Brasil deu solução espontânea e audaciosa para isso ao jogar o setor religioso na administração do Bolsa Família. Assim rapidamente o programa se tornou funcional, com grande capilaridade, despertando interesse do setor financeiro. O próprio Estado entrou com cartões eletrônicos. Mas isso significa que o dinheiro não vai direto para o consumidor, sendo esses valores administrados pelo setor financeiro.”

Santos observa que as políticas assistencialistas são extremamente baratas se comparadas ao investimento necessário para gerar empregos: “O próprio Bird sabe que não há como integrar toda essa massa de gente ao mercado de trabalho e o melhor é oferecer uma bolsa de cerca de US$ 600 anuais per capta. Para gerar um emprego levaria cem anos com o mesmo gasto”, compara.

O conselheiro do MM afirma que o grande capital já está atuando nessa direção e, se conseguir criar um grande movimento mundial na direção das políticas de atuação em setores relativamente marginais do ponto de vista da renda, terá criado um grande instrumento de controle político, em detrimento das forças políticas progressistas e aliadas dos trabalhadores.

“Os detentores do grande capital já concluíram que quem está mandando no mundo é o capitalismo de Estado. Querem que o sistema passe a ser manejado por eles. Dando dinheiro aos pobres podem ter poder político e até beneficiar o próprio setor financeiro. Pode-se também pensar, não em reformas, mas políticas agrárias que permitam incorporar parte dessa população miserável. Além dessas, a questão ambiental também tem grande influência sobre as classes médias e representa outro filão político perfeitamente conciliável com os objetivos de uma economia global financeirizada e extremamente concentrada”, analisa.

Rogério Lessa

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