DILMA COMO CONTINUIDADE DE LULA: RAZÕES DA DERROTA  DA OPOSIÇÃO EM 2010 E AGORA.
THEOTONIO DOS SANTOS (*)
Passados 10 meses das eleições presidenciais seria conveniente fazer um balaço das razões que permitiram uma vitória substancial da continuidade administrativa e um fracasso inquestionável das forças de oposição. Creio que este esforço nos ajudará a entender as razões que estão levando ao paroxismo esta oposição no momento atual buscando desesperadamente abrir brechas no governo Dilma e sobre tudo entre as forças políticas que formam sua base de apoio. Talvez este balanço de 2010 nos ajude a prever o destino desta nova onda oposicionista.
Depois  de um longo período de desconhecimento de sua candidatura e até de desprezo por sua pretensão, as pesquisas eleitorais mostraram uma forte tendência à  afirmação da candidatura de Dilma Rousseff,  chegando inclusive a apontar uma probabilidade de sua vitória no 1º turno. O aumento da  aceitação de Dilma foi se firmando na medida em que os eleitores tomaram conhecimento de sua personalidade, de sua firmeza e, sobretudo, de sua obra político-administrativa à frente da Casa Civil e particularmente do PAC.  Seus  programas eleitorais tiveram o acerto de apresentá-la  como ela   é: seus marqueteiros  abandonaram a idéia de forjar uma Dilma leviana, engraçadinha, tudo  que os preconceitos  anti-populares atribuem ao gosto popular. Vimos uma  Dilma admirada por Lula , o grande eleitor, não por ser boa política eleitoreira, e sim por ser capaz, objetiva, focada, determinada.
Ai  está a essência do fracasso de estratégia eleitoral da oposição comandada pelo PSDB e o  DEM. Eles partiram do preconceito de que Lula  era um autocrata e escolhera para sucedê-lo  um poste qualquer.  Segundo eles: a vitória seria esmagadora  quando se confrontasse este “poste” com a inteligência, a argúcia, a experiência,  a eficiência e tantas qualidades por eles atribuídas ao ex-governador de São Paulo, José Serra. São Paulo, governado pelo PSDB há 16 anos, é o mais poderoso estado brasileiro, mas também o mais decadente,  prisioneiro de um modelo de desenvolvimento econômico que afoga sua população no pior trânsito do mundo, segundo pesquisas recentes, além de apresentar um conjunto de serviços públicos de péssima qualidade- educação, saúde e habitação- e uma população miserável incompatível com a riqueza deste estado, etc, etc. 
Há um bom tempo que São Paulo crê que lhe cabe governar o Brasil , apesar de que nossa economia se move para outras partes do país. Confiante nesta missão indiscutível para eles, sua elite política não se prepara para o conhecimento do Brasil. Ao contrário, sua pretensão  de superioridade impede seus líderes de dar importância ao resto do país. Lula escapou  em boa parte desta armadilha, ao realizar uma campanha  de conhecimento do país e ao manter sua personalidade de peão nordestino. E, apesar de que os marqueteiros arrumaram (isto é, elitizaram) bastante seu “look” não puderam  convencê-lo  de romper com suas raízes populares. 
Neste contexto, é possível detalhar  os erros do projeto político e eleitoral da oposição ao governo Lula:
1° erro: Dilma não era e não é um boneco da propaganda política. Sua autenticidade  é seu principal atrativo, Ela  levou o governo Lula aos  píncaros do prestigio com 94 % de apoio ao seu governo ( se somamos aos 86% de “ótimo e bom” com os 8% de “regular” apresentado nas pesquisas) . Ela não pretendeu ser um imbatível administrador paulista, como Serra pretendia ser, nem um  intelectual de prestigio internacional  como Fernando Henrique . Ela admite, como Lula,  seus erros e seus limites e o  povo  brasileiro  terminou por aceitar e mesmo admirar esta atitude. 
Um toque pessoal: quando conheci Hugo Chavez, em 2002,  lhe fiz uma colocação que creio ele nunca se esqueceu: “Você parece seguir firmemente um principio  de Fidel Castro:  nunca realizamos nada que não estivesse antes na consciência  do povo  cubano”. Está é a explicação para um líder  popular manter-se  no poder 50 anos  amado e admirado pelo seu povo. Fidel e o povo cubano enfrentaram durante 50 anos,  ali do seu lado (as famosas 200 milhas), o maior poder econômico , militar e intelectual  que conheceu a humanidade e o venceram até hoje. Chavez enfrentou já, por 11 anos, a mais violenta  e agressiva oposição  de uma rica classe média e de uma poderosa oligarquia venezuelanas com o apoio direto desta mesma  super potência  que dominou a sua  principal riqueza  ( o petróleo ) por 50 anos. E, contudo,  lhes ganhou 9 eleições  em 10 anos !!! Apesar disto a mídia internacional consegue convencer aos incautos  que se tratam de 2 ditadores imbecís. 
2° erro - O povo brasileiro  não é um bando de cordeirinhos ignorantes,  dispostos  a seguir as campanhas  mentirosas inventadas pelos meios de comunicação do país e sua  coorte  de “experts”. Por mais que tentassem de converter Dilma numa incompetente provinciana,  perderam seu trabalho  de anti-market  quando não puderam impedir os brasileiros de conhecê-la...
Aqui  vai  mais um episódio que protagonizei. Logo no começo do segundo governo Lula eu lhe disse a Dilma:  _ Você será a próxima presidente do Brasil.  Ela reagiu espantada: _  Que idéia louca  Theotonio .  Eu  estou cansadíssima.  Nem quero pensar nisso ... Eu lhe respondi: _ Você  não pode impedi-lo . Você  salvou Lula de uma administração  desastrosa, orientada para atender ambições eleitorais  de companheiros nos quais confiava. Você não só colocou ordem na casa, você o ajudou a governar,  a  definir um rumo e elaborar uma estratégia de desenvolvimento do país. Além disso, você restaurou a dignidade e a ética  do governo sem que a direita pudesse te atacar em nada. (Ela interrompeu firmemente afirmando que isto é assim mesmo porque  ela não lhes oferecia  nenhum pretexto). Eu lhe fiz então esta consideração:  Lula  não pode desprezar esta conquista que consolida seu governo. Ademais você não representa nenhuma fração  do PT. Você pode representar o conjunto do partido e isto é muito raro. E, finalmente você é mulher e estamos numa conjuntura de eleições de mulheres na região e no mundo. Não tem saída; Tem que ser você.
Estou seguro que ela não acreditou na  minha análise, no primeiro momento. Mas talvez, em algum momento posterior, terá baixado sua resistência e aceitado seu destino. Com a mesma conseqüência com que tomou suas decisões políticas contra a ditadura,  com o risco de sua própria vida, assumiu em plenitude a tarefa  que parecia  então completamente  irrealista. O povo brasileiro não é imbecil  como pretende a oposição e  ele soube apreciar  as razões que levaram  Lula  a apresentá-la  como sua  sucessora. Apresento este testemunho pessoal não para jactar-me já que fiz muitas previsões erradas na vida. Mas este episódio pode demonstrar como grande parte dos comentaristas políticos que figuram na grande imprensa brasileira são incapazes de fazer um raciocínio político a médio prazo e cometem erros sistemáticos de previsão dos acontecimentos que lhes caberia entender. Mas isto é mais grave ainda quando pensamos nos nossos políticos, particularmente esta “elite” pretensiosa que forma a oposição.  Ofuscados por seus preconceitos e seus desejos, tornam-se incapazes de compreender o embate político no qual estão participando. 
3° erro: Serra e seus aliados subestimaram o critério político de Lula e a capacidade política de Dilma. Ao falharem totalmente nas suas avaliações tiveram que  apoiar definitivamente sua opção  política  no pântano da direita. Serra tinha tentado criticar  os juros altos sem criticar contudo a política macro-economica do real. Mas os juros altos  são o último  bastião desta política. Na sua origem,  o plano real se apoiou  nas chamadas 3 âncoras que fracassaram todas como ocorreu em todos os países que adotaram os princípios do Consenso de Washington. 
Com um cambio elevado a 4,00 reais por dólar; uma dívida interna colossal e uma situação cambial desastrosa,  com uma dívida vencida de mais de 30 bilhões de dólares sem um centavo para paga-la ( o que levou ao acordo com o FMI para adiar seu pagamento que todos os candidatos presidenciais assinaram,  exceto Garotinho) e com uma inflação superior a 10% numa conjuntura mundial deflacionária, podemos afirmar sem sombra de dúvida que o plano real foi um total fracasso. 
A ridícula desculpa do governo derrotado eleitoralmente de que este fracasso era um resultado da possibilidade de vitória de Lula só pode ser aceita por pessoas de muito má fé e ignorantes. Qualquer pessoa sabe que este desastre estava previsto por qualquer estudioso sério da economia brasileira. Este desastre era o mesmo em toda a região,  o que vem levando à derrota sucessiva dos governos que se filiaram ao Consenso de Washingon e acreditaram na imprensa oficiosa que cobriu todos seus enganos, desastres e corrupção generalizada. Se os leitores querem aprofundar nas razões econômicas, políticas, morais e intelectuais deste fracasso lhes sugiro a leitura do meu livro “Do Terror à Esperança: Auge e Declínio do Neoliberalismo”, Idéias &Letras, Aparecida, 2004.
É assim fácil compreender as dificuldades de recuperação política das forças que foram duramente derrotadas em 2010. Eles continuam batendo nas mesmas teclas que as levaram ao fracasso. E querem justificar seus erros em vez de assumi-los. Prepotentes, atribuem sua derrota à ignorância e  ao atraso do povo brasileiro e condenam como “populismo” todos os esforços governamentais que favorecem a maioria da população. Seria tema de outro artigo, analisar o novo fracasso da oposição, agora diante do governo Dilma. Mas ele está assentado nas mesmas razões que levaram ao fracasso eleitoral de 2010. 
----------------------------------------------------------------
* Professor emérito da Universidade Federal Fluminense, Presidente da Cátedra e Rede da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável.(www.reggen.org.br). ver também  theotoniodossantos.blogspot.com.br.
Nenhum comentário:
Postar um comentário