LUIS ALBERTO MONIZ BANDEIRA VEM REALIZANDO UM EXCELENE TRABALHO DE LEVANTAMENTO DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA. SUAS INTERPRETAÇÕES SÃO SEMPRE IMPORTANTES EMBORA NÃO CONCORDEMOS SEMPRE. SEU LIVRO SOBRE GOVERNO JOÃO GOULART E UMA CONTRIBUIÇÃO DECISIVA PARA A COMPREENSÃO DA NOSSA HISTÓRIA ATUAL.
ATUALIDADE DE UMA HISTÓRIA:
JOÃO GOULART SEGUNDO MONIZ BANDEIRA
Theotonio Dos Santos*
theotoniodossantos.blogspot.com
É extremamente oportuna a reedição ampliada da obra clássica de Luiz Alberto Moniz Bandeira sobre O Governo João Goulart- As Lutas Sociais no Brasil-1961-1964, 8ª. Edição Revista e Ampliada, Editora UNESP, 2010, 502 ps. Editado originalmente pela Editora Civilização Brasileira, nos tempos de Enio Silveira, ainda no olho do furacão de terror e violência que enfrentou o povo brasileiro, ela abriu o caminho para a reabilitação do Governo João Goulart –imerso pelo golpe de Estado de 1964 numa onda de calunias e mentiras.
Qual não será o espanto das novas gerações ao estudar estes anos críticos de nossa história sob a ótica rigorosa de Moniz Bandeira. Sobretudo quando um amplo setor das esquerdas brasileiras se deixou levar por esta operação de calunias que se vestiu de seriedade ao ser apoiadas por umas afirmações com pretensões cientificas lançadas pela corrente dominante de nosso pensamento social durante os anos de imposição do pensamento único neoliberal. Vimos inclusive como o presidente eleito em 1994, em nome da modernização do Brasil se propôs a “terminar com a Era Vargas”.
Moniz Bandeira nos introduz no amplo processo social que marcou profundamente nossa história contemporânea. No capitulo primeiro do seu livro aborda a questão central: “Goulart, populismo e trabalhismo”. A tese de Moniz é que o trabalhismo corresponde historicamente ao papel que cumpriu a Social Democracia na Europa, onde ela foi a expressão partidária do proletariado industrial. No Brasil e em grande parte da América Latina este proletariado tomou corpo a partir dos anos 30 do século XX, exatamente no contexto da implantação da dinâmica da industrialização.
Ele retira assim o fenômeno do chamado “populismo” do tosco e panfletário conceito depreciativo, dominante nos anos de treva intelectual impostos pela ditadura. Segundo este conceito, o populismo seria um fenômeno político caracterizado pela manipulação realizada pelas elites sobre os trabalhadores despolitizados e incultos recém vindos do campo. Este tipo de imaginário era ideal para justificar os preconceitos dos “liberais” da União Democrática Nacional que passaram todo o período do pós-guerra conspirando com os militares de direita para derrotar pela via militar as forças sociais trazidas pela industrialização do Brasil. Na verdade, este “populacho” inculto conseguiu impor-se em todas as eleições no Brasil derrotando as “classes médias” cultas e modernas.
Exceto, em parte, com a vitória de Janio Quadros eles estiveram conspirando contra o voto universal que sempre assombrou os liberais. Janio soube, contudo, desvencilhar-se de seu vice presidente udenista (o mineiro Milton Campos) e identificar-se com o trabalhismo ao articular a chapa Janio-Jango que terminou triunfante nas eleições presidenciais, em 1960, com o curioso fato de que o vice-presidente Jango teve mais votos que o presidente eleito..
A associação entre os liberais e a ditadura pode parecer estranha num ambiente em que o pensamento único conseguiu ocultar os fatos históricos. Para refrescar a memória, sobretudo no mundo das oligarquias liberais-autoritárias da América Latina, lembremo-nos como os liberais de Frondizi compactuaram com os generais para derrubar Perón e para aceitar ser eleitos quando o peronismo ilegalizado defendeu a abstenção eleitoral, triunfante nas eleições. Os economistas “liberais” chilenos e norte-americanos se converteram nos esteios do governo Pinochet, transformado em “modelo econômico” pela imprensa e pelo estabelecimento político liberal mundial. Não vou aprofundar neste tema que tratei sistematicamente nos meus vários artigos e livros sobre o chamado “neoliberalismo”. (1)
Estas considerações são particularmente relevantes quando a era neoliberal, de Fernando Henrique Cardoso, foi substituída pelos 2 governos Lula e agora por Dilma Rousseff (fundadora do Partido Democrático Trabalhista, como Moniz e eu) . Ambos governos buscaram retomar as linhas básicas do chamado desenvolvimentismo de Vargas e Kubitscheck, buscando agregar-lhe um conteúdo social bem mais moderado do que aquele que esteve vigente durante o grande movimento social que levou João Goulart à presidência.
Moniz Bandeira traça com grande conhecimento pessoal e com forte documentação empírica as contradições que implicou a tomada do poder pelo vice da chapa Jan-Jan (Janio-Jango), sustentado na maior epopéia de massas que o Brasil viveu (só comparável com a coluna Prestes em 1924-26) que foi o “movimento da legalidade” comandado pelo “inimigo numero 1 da ditadura”, Leonel Brizola.
Ele mostra as divergências entre o Governo Jango e o Governo Juscelino, do qual foi vice-presidente, ao incluir o conteúdo político e ideológico das chamadas “reformas de base”, das mudanças constitucionais e da radicalização do PTB que evolui na direção de transformar-se em um partido de esquerda. Vivemos intensamente este processo quando Moniz e eu (entre outros importantes intelectuais e políticos) fundamos a organização Revolucionária Marxista Política Operária – a POLOP (na qual a presidente Dilma iniciou sua vida política). E se bem tentamos transformar estas mudanças subjetivas do povo brasileiro num programa socialista para o Brasil, nunca deixamos de compreender o avanço que significaram estes anos de radicalismo popular.
Moniz analisa, com grande rigor histórico e teórico, o choque de Goulart com o parlamentarismo imposto pela conciliação entre os golpistas de 1961 e o “centro” político brasileiro, pressionados pelas forças sociais e militares que Brizola levantara no Rio Grande do Sul. Contra a posição de Brizola, Goulart aceitou a imposição do parlamentarismo, mas se viu imediatamente engajado numa luta pela recuperação dos poderes presidenciais que o povo brasileiro lhe outorgara nas eleições de 1960.
Em seguida Moniz mostra o papel da luta pela reforma agrária e o surgimento do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) legalizado no Governo Goulart por Almino Affonso. Em seguida mostra a articulação do empresariado liderado pelas empresas multinacionais e pelo governo norte americano, sua embaixada e particularmente seu sistema de inteligência, chegando a envolver o Pentágono na famosa operação naval nas costas brasileiras para apoiar o golpe de 1964. Nesta reedição ele pode acrescentar grande parte de documentos surgidos nos Estados Unidos depois da publicação do seu livro.
Contudo, a enorme campanha destas tradicionais forças golpistas e contraditórias que lideraram as centenas de intervenções militares na América Latina - estudadas por Moniz Bandeira no seu recente livro sobre as relações entre os Estados Unidos e o Brasil - não foi capaz de impedir o fortalecimento das forças de esquerda nas eleições de 1962. Seguindo uma forte tradição de rigorosos estudos históricos na América Latina e nos Estados Unidos (2) que, na ausência de qualquer argumento, os “liberais” desqualificam acusando-os de” “teóricos da conspiração”, Moniz Bandeira nos mostra as duras contendas de Goulart com estas forças, negociando diretamente com John Kennedy na tentativa de forjar uma “política externa independente” que propusera o seu ministro de relações exteriores, Santiago Dantas. Não é aqui o lugar para avaliar a correção dos acordos realizados naquela ocasião e que contaram com a forte oposição das lideranças populares, principalmente de Leonel Brizola. De qualquer forma, tratava-se de um avanço importante ao superar a tendência histórica de nossas oligarquias à capitulação diante dos interesses internacionais hegemonizados pelas grandes potencias..
Moniz mostra em seguida como o governo Goulart representou uma retomada do projeto de Vargas. O autor se dedicou também a realizar um cuidadoso balanço do governo Goulart diante das lutas ideológicas e políticas do período.
Estas lutas não estão encerradas: elas retornam, como vimos, no momento atual e estiveram presentes em todos estes anos. Moniz faz também um balanço do exílio de Goulart e das articulações para a sua possível volta.
Neste ponto ele se envolveu em questões mais específicas, como o possível assassinato de Goulart, tese contra a qual se joga completamente. Apesar da importância dos argumentos que apresenta, está claro que ele não conseguirá fechar definitivamente uma questão como esta. É mais fácil provar que ocorreu um fato do que sua inexistência. Quando a tese do assassinato se faz verossímil diante dos vários assassinatos realizados no período, é difícil encerrar o debate. Estes atentados, alguns sob a forma de acidentes, parecem abonar a interpretação do assassinato. É difícil convencer que se tratou de fato de uma morte natural, apesar do peso dos seus argumentos . Mas é justa a preocupação de Moniz em assegurar a verdade histórica, independentemente das dúvidas que sempre continuarão no imaginário daqueles que vêem esta luta histórica como uma justificação que legitima a negação de um espaço para uma morte natural.
Quero recomendar aos que não leram e também aos que leram as edições anteriores que retomem a leitura deste livro, pois ela inquestionavelmente nos ajudará a entender as forças estruturais que explicam e impulsionam a atual conjuntura histórica brasileira. Não é aqui o lugar de expor minhas divergências com Moniz, mas os leitores poderão facilmente compreendê-las se estudam nosso textos.
Aproveito a oportunidade para sugerir a leitura do meu livro Evolução Histórica do Brasil- da Colônia á Crise da Nova República, Editora Vozes, 1994, que pode dar uma idéia das coincidências e divergências entre dois companheiros de luta e aventura intelectual que o Brasil tanto necessita conhecer, contra uma hegemonia do “pensamento único” que se encontra, finalmente, numa queda violenta.
(1) Ver Do Terror à Esperança – Auge e Declínio do Neoliberalismo, Idéias & Letras, Aparecida, 2004, 568 ps. Há uma edição em espanhol por Monte Avila, Caracas, que se pode baixar por internet.
(2) Sugiro também que leiam no meu blog ( theotoniodossantos.blogspot.com ) a noticia sobre a edição do mais completo detalhamento destas intervenções feito originalmente por Gregório Selser e reeditado este ano pela Universidade Autonoma Metropolitana do México numa preciosa edição. Veja-se também o livro de James D. Cockroft, Latin America: History, Politics, and US. Policy/ Second Edition, Nelson Hall Publishers, Chicago, texto que foi traduzido ao espanhol e publicado na Venezuela e Cuba, o que mostra os limites de divulgação deste tipo de informação nas tão decantadas democracias onde impera a “livre expressão”.
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