texto originalmente escrito em 2005
Theotonio dos Santos
Reforçam-se neste momento as incertezas sobre o comportamento da economia mundial. Alguns economistas apostam numa continuidade do crescimento, outros o vêem, inclusive, reforçar-se, enquanto outros apostam numa recessão. Aguardam-se, com tensão, os dados sobre o mês de março, e os chamados mercados financeiros vivem angustiantes expectativas. Como pode uma ciência econômica, que se crê próxima das ciências "exatas" concebidas no final do século XIX, ser tão inútil para analisar as conjunturas históricas concretas?
Este tem sido o tema de nossos estudos sobre uma teoria da conjuntura. Em realidade, o quadro teórico herdado das ciências positivas do século XIX não conduz a uma análise dos fatos históricos. Neste paradigma, quando a teoria científica se move em direção ao concreto ela tem por objetivo produzir recomendações de políticas, "aplicações" das leis pretensiosamente descobertas pela ciência à realidade, para obter resultados concretos segundo os objetivos dos atores concretos.
É desnecessário dizer que estes atores, no campo das ciências sociais, são sobretudo o Estado, em alguns casos, as empresas e, eventualmente, os "indivíduos" entendidos como compradores e vendedores no mercado. Neste modelo de ciência - que é ensinado até nossos dias nas escolas de economia dominadas pelo mainstream - não há nenhum espaço para o estudo dos fenômenos históricos concretos.
Até porque este modelo de ciência trabalha com a simplificação dos fenômenos, com sua redução a um número restrito de variáveis, enquanto a análise da realidade concreta está dominada pela necessidade de interconectar uma grande diversidade de fenômenos em seu movimento histórico.
O interessante é constatar que as chamadas ciências exatas ou naturais têm caminhado cada vez mais decididamente na direção da complexidade, aceitando o fato imposto por nossa aproximação em direção ao espaço sideral, iniciado pela navegação espacial.
Já não podemos falar de um universo ahistórico. O Universo que cada vez conhecemos mais detalhadamente está em permanente transformação. E os distintos estágios da história do Universo seguem leis distintas e apresentam ambientes distintos. Algo similar ao que o pensamento dialético encontrou no universo histórico humano: não há uma humanidade geral acima das diferentes formas históricas concretas.
Não há economia em geral: o que há são formações econômicas historicamente determinadas que seguem leis distintas. Por isso, a tentativa da chamada ciência econômica de produzir uma teoria econômica acima da história e da diversidade cultural e geopolítica sempre foi um fracasso colossal.
O estranho é que estes sucessivos fracassos não perturbam os tecnocratas, que vivem à custa desta ficção de ciência exata, nem tampouco aos políticos, que demonstram crer cada vez mais firmemente na afirmação da senhora Thatcher de que "não há alternativa" às políticas econômicas neoliberais.
É fundamental constatar também o peso que ganharam nos últimos anos os órgãos de realização destes princípios muito mais religiosos do que científicos. (Mas não esqueçamos que o formulador do positivismo, Augusto Comte, terminou sua vida criando uma Religião Positiva).
A Religião Positiva de Comte era muito arcaica em sua simbologia. Ela se realiza em nossos dias nas imposições do FMI (esta concentração de economistas de terceira categoria) como o mostrou Joseph Steeglitz, ou do Banco Mundial, para onde se dirige como candidato a gerente-geral o ideólogo mais fundamentalista da equipe de Bush.
Mas a expressão mais acabada da Religião Positiva em nossos dias são os bancos centrais, sempre acompanhados do adjetivo "independente". Eles são os representantes da ciência econômica, embora seus erros se multipliquem não só em suas previsões equivocadas, mas também em suas intervenções desastrosas.
Vejam o caso do Fed nos Estados Unidos. Depois de elevar a taxa de juros de 3,5% para 6,5% ao ano, em 2000, para deter uma ameaça inflacionária que nunca se concretizou, foi obrigado a baixar a taxa de juros para 1% entre 2003 e 2004, depois de constatar os efeitos recessivos de sua equivocada elevação da taxa de juros. E, de fato, a economia estadunidense se recuperou em 2003 quando se iniciou a diminuição da taxa de juros.
Mas chegamos em 2005 com uma nova elevação da taxa de juros, que não conseguiu deter o crescimento nem os efetivos fatores inflacionários que estão em ação na economia mundial, como o aumento do petróleo. Mas a verdadeira origem das taxas excepcionais de crescimento está no brutal aumento do gasto público em função dos gastos militares impostos pelos fundamentalistas que assaltaram o governo deste país. Porém, estes gastos são também um dos principais fatores do aumento das pressões inflacionárias. Neste contexto, como se atrevem a apresentar-se como sacerdotes do livre mercado e do conhecimento econômico universal?
Vemos, assim, que as dificuldades para alcançar um conhecimento puro e científico da realidade econômica gera inimigos muito mais poderosos: entre eles ressaltam os interesses econômicos e políticos concretos que se disfarçam de ciência transcendental para servir a seus objetivos inconfessáveis.
Mas não nos deixemos iludir. A solução encontrada pelo governo Bush para recuperar a economia estadunidense tem ainda um longo caminho a percorrer. São muitos os interesses em torno do déficit fiscal e do déficit comercial dos Estados Unidos. Para vender seus produtos, os grupos militares apoiam as aventuras fiscais mais perigosas e, assim, comprometem definitivamente o futuro do dólar e do domínio estadunidense da economia mundial.
Da mesma forma, a China e os demais exportadores para os Estados Unidos estão dispostos a manter seus superávits em dólar em títulos da dívida pública deste país. Entretanto, o limite para estas aventuras está demarcado. Segundo nossos cálculos, o dólar e o endividamento norte-americano entrarão em crise definitiva daqui a oito a dez anos. Até então, o euro e outras moedas regionais já estarão suficientemente fortes para converter o dólar definitivamente numa moeda regional também. A economia mundial tem, pois, uma direção que poderá ser afetada ou redirecionada. Somente na medida em que conhecemos esta direção podemos avaliar corretamente a conjuntura atual e atuar sobre ela.
www.monitormercantil.com.br - 11/04/2005 - 20:04
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