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segunda-feira, 13 de julho de 2009

O preço da hegemonia

Theotonio dos Santos

www.monitormercantil.com.br - 14/06/2004 - 21:06

Manter um poder hegemônico numa economia de dimensão planetária é uma tarefa excepcional. Pretender manter o controle do planeta através de uma perspectiva unilateral, com uma economia endividada e deficitária, é uma aventura perigosa.

Nos últimos anos temos assistido à difusão da idéia de que os Estados Unidos são hoje em dia uma superpotência cujo poder é incontrastável. Isso lhe asseguraria a capacidade de exercer uma hegemonia global indiscutível. Os fatos indicam, entretanto, uma situação oposta. Nunca a hegemonia do sistema mundial esteve tão ameaçada, apesar da dificuldade de identificar a existência de um poder alternativo capaz de impor ordem e lógica ao conjunto.

Estaríamos assistindo o final das hegemonias sobre o sistema mundial? Estaríamos caminhando em forma de sobressaltos para um novo tipo de sistema mundial baseado em relações mais horizontais? Seriam necessárias várias guerras como ocorreram no passado para definir esta alternativa? Haverá um período de transição no qual se estabelecerá uma hegemonia compartilhada em direção a uma nova ordem que poderíamos chamar de civilização planetária?

Na realidade, estas são as alternativas que cogitei nos últimos 20 anos nos quais rejeitei as várias modas dominantes: decadência americana na década de 80 com a perspectiva de uma recentragem asiática; ultra-hegemonia estadunidense na década de 90; hegemonia unilateral estadunidense já ao iniciar o século atual.

Na verdade, acredito que o cenário de segurança mundial estará cada vez mais marcado pela retomada do hinterland, formado pela interação crescente entre a Europa, os países da antiga União Soviética e principalmente a China, sem desprezar o papel da Índia e do chamado Oriente Médio numa retomada do papel central da massa terrestre eurasiática que abrigou a rota da seda durante milênios de história universal.

A mudança para o poder marítimo como centro da estratégia mundial se iniciou no século XV com as descobertas marítimas e se consolidou no século XIX com o barco a vapor e a superioridade tecnológica européia a partir da revolução industrial. Entretanto, caminhamos hoje em dia para o domínio do espaço extraterrestre, da aviação e dos transportes terrestres que dependam o menos possível do petróleo em extinção. Isso pode assegurar também uma posição importante para continentes que foram excluídos dos poderes hegemônicos do século XIX até nossos dias como a América do Sul e a África.

Um novo fator que deverá influir significativamente no reordenamento geopolítico do mundo é a biodiversidade, que se concentra nos países tropicais e semitropicais. A importância desta biodiversidade se fará cada vez mais crucial na medida em que se façam necessárias as fontes energéticas baseadas em materiais renováveis ou biomassas. Na verdade, não estou falando de perspectivas seculares, mas de décadas.

Devemos incluir nesta revisão geopolítica os fenômenos demográficos, quando a população mundial se concentra nos países do sul, particularmente na Ásia. Sem deixar de assinalar que a América Latina e a Ásia serão também partes significativas da população mundial nos próximos 20 anos.

Neste quadro planetário é difícil acreditar que os Estados Unidos e a perspectiva de poder atlântico através da qual se consolidou sua hegemonia possam sustentá-la. E não somente pela importância do Oceano Pacífico, como se insistia na década de 80, mas também pela incorporação da dimensão eurasiática como ressaltei.

Mas a limitação mais grave para o projeto hegemônico se encontra no plano econômico. Os Estados Unidos passaram, nos últimos 20 anos, de uma economia superavitária e credora em relação ao resto do mundo para uma economia deficitária e devedora. Esta mudança não é uma questão conjuntural: trata-se de um resultado necessário da condição brutal de exercer a hegemonia mundial.

Trata-se dos custos impressionantes que representam as pesquisas e o desenvolvimento de produtos e processos para manter uma força militar capaz de intimidar todo o mundo. Sem contar os custos de manter uma moeda mundial supervalorizada para garantir o domínio monetário e financeiro do planeta.

Depois da luta do governo Clinton para baixar o déficit fiscal (que se converteu em superávit fiscal no final de seu governo) e sua pouco afortunada luta para baixar o déficit comercial com o resto do mundo, o governo Bush, ao tentar impor uma superioridade estratégica mundial unilateral, retomou em níveis insanos o déficit fiscal e o déficit comercial dos Estados Unidos.

Uma economia em déficit colossal não pode manter uma moeda forte. O dólar está em queda, que deverá continuar até o final da próxima década. Enquanto isso, o euro se consolidará como moeda de circulação regional e já desponta para a condição de moeda de reserva que o elevará à condição de moeda mundial.

Na Ásia, apesar da importância dos dólares asiáticos, assistimos a uma crescente integração continental em torno dos mercados japonês e chinês, com o despertar do mercado indiano, entre outros.

O custo da hegemonia é elevado demais para ser assumido por um só país ou por uma só economia. Nos próximos 20 anos a economia mundial viverá mudanças colossais, que poucos se atreveram a pensar. Neste quadro, o fator mais estabilizador da ordem colonial existente são as políticas recessivas recomendadas pelo Fundo Monetário Internacional. Elas retiram do cenário econômico internacional países tão importantes como o Brasil, condenados à recessão e à regressão de suas exportações para a velha economia agro ou mineral exportadora. Por quanto tempo seus povos aceitarão este destino?

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