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terça-feira, 23 de junho de 2009

(neoliberalismo) As ilusões do poder

Theotonio dos Santos

Em 1982, a televisão brasileira dominou de forma até então desconhecida a mente de sua população. A performance sem dúvida de alta qualidade da seleção de futebol do Brasil tomou conta de toda a população. Cada jogo era antecipado por comemorações em todas as ruas do país, desenhos especiais, esculturas, todo tipo de decorações.

Tudo isso foi comandado pelas principais redes de televisão que assinavam contratos altíssimos de patrocínio da cobertura de cada jogo. O país paralisou-se em função do campeonato mundial de futebol.

Mas o espetáculo tinha um limite definitivo: havia que ganhar os jogos para chegar ao campeonato mundial. E por mais excelente que a seleção brasileira se demonstrara, sob o sábio comando de Telê Santana, veio a derrota para a Itália. Subitamente, esse gigantesco processo de manipulação da opinião pública e das emoções de 150 milhões de pessoas caiu em ruínas. A lição foi muito dura, mas estabeleceu um limite definitivo para a manipulação da opinião pública: a realidade acaba se impondo sobre sua representação.


Uma coisa similar estamos assistindo com esta fantástica mobilização da opinião pública mundial, que representou o pensamento único neoliberal e sua farsa fundamentalista, inspirada na tese do fim da História. As dificuldades de um sistema econômico social em grave crise desde 1966 foram transformadas em vitórias deste mesmo sistema poucos anos depois. A derrota militar da maior potência econômica e tecnológica em Vietnã transformou-se, poucos anos depois, em lição aprendida. Por passe de mágica televisivo, os derrotados Estados Unidos transformavam-se no incontrastável poder militar no mundo.

A retirada unilateral das tropas soviéticas do Afeganistão e da Europa Ocidental, o desarmamento unilateral desta e as mudanças políticas e ideológicas encaminhadas abertamente por seus dirigentes terminaram definitivamente com a Guerra Fria e levaram finalmente à dissolução da URSS, similar a autodissolução da Terceira Internacional durante a Segunda Guerra Mundial por Stalin.

A pesar de apresentada como uma vitória dos Estados Unidos, do Ocidente cristão e do capitalismo, é preciso recordar que a Guerra Fria foi um invento iniciado por Churchill e por Truman para "conter" seu aliado mais estreito na Segunda Guerra Mundial, tentando de forma fracassada revisar os acordos de Yalta em seu favor. O fim da Guerra Fria dificilmente poderia representar a vitória daqueles que a criaram.

O resultado da Guerra Fria não foi nada favorável para seus criadores. Pressionada, a Europa Oriental converteu-se em repúblicas populares controladas militarmente, em parte politicamente e de forma fraca ideologicamente pela URSS; a China converteu-se em uma República Popular que expulsou o Kuomitang para a pequena ilha de Formosa (conhecida em inglês como Taiwan); na Coréia, as tropas norte-americanas não conseguiram recuperar o norte do país depois de uma longa guerra.

Na Indochina, os franceses foram definitivamente derrotados pelo Vietcong, abrindo caminho para a intervenção norte-americana na região que não conseguiu manter o regime fantoche do Vietnã do Sul e depois de longa guerra perdeu toda a Indochina incluindo o Laos e a Camboja. Sem falar das várias derrotas que se acumularam em todo o mundo colonial e na América Latina que não podemos detalhar.

Ao invés de revisar profundamente sua estratégia e ajustar-se à perda da hegemonia norte-americana em andamento (tal e como o fez a Trilateral ao abrir caminho para o acordo com a China, ao criar o grupo dos Sete como expressão da Aliança dos Estados Unidos, Europa e Japão), a classe dominante estadunidense acabou aceitando (com muitas dúvidas, na verdade) a ofensiva estratégica iniciada por Reagan para recuperar a hegemonia dos Estados Unidos e fazer retroceder e ainda mesmo destruir o Argamenom, o inimigo diabólico que era a URSS e os poderes mundiais socialistas e do chamado Terceiro Mundo.

Qual não foi a sua surpresa ao ver que os dirigentes políticos do outro lado assumiam a ofensiva e liquidavam com o sistema de alianças gerado pela Guerra Fria e desarmavam totalmente o esquema ofensivo criado pela mesma. A Otan, o sistema Breton Woods, as mesmas Nações Unidas sem a China Popular em seu Conselho de Segurança, ruíam-se e desarmavam-se as peças fundamentais da hegemonia estadunidense criada no Pós-guerra. Haveria que construir um novo mundo pós Guerra Fria.

É aí onde reside o fracasso dos falcões de direita norte-americanos que se uniram em torno de George W. Bush, o jovem. O pai tinha feito a invasão da minúscula Granada, do pequeno Panamá como vice-presidente e finalmente realizou o bombardeio do Iraque (sem ocupação, pois se reconhecia o custo militar e geopolítico da mesma - com o inevitável fortalecimento do Irã).

Ao invés de tomar este fato como lição, já que os Estados Unidos operaram com recursos financeiros alheios (a guerra tinha sido financiada pela Arábia Saudita, Kuwait, Alemanha e Japão) e um poder aéreo devastador mas muito pouco poder de infantaria, os formadores da opinião pública mundial impuseram-nos a versão delirante de que os Estados Unidos se converteram em uma superpotência única. Estabeleceram-se aí as bases do delírio do unilateralismo.

Somente a imposição aos Estados Unidos de uma figura medíocre como George W. Bush poderia abrir caminho para um experimento tão delirante como seu governo. Ajudado pelo atentado ao World Trade Center em 2001, este grupo de alienados levou o mundo a uma aventura colossal sob uma aparente retomada da total hegemonia norte-americana.

O experimento militar, com uma ocupação baseada em tropas ínfimas dispersas por todo o país invadido, com um apoio interno mínimo e graves problemas logísticos, foi um reconhecido fracasso (quase unânime em nossos dias, depois de tentativas de controle mediático da opinião pública mundial a través de uma euforia baseada na versão incontrastável superioridade militar estadunidense).

O experimento diplomático foi outro fracasso devido ao total desprezo pelo apoio da opinião pública mundial. O experimento político levou à total derrota dos Estados Unidos na região e a um grave problema interno. O experimento econômico com o aumento gigantesco dos gastos militares e do déficit fiscal norte-americano acompanhado do aumento gigantesco do déficit comercial, leva a economia mundial a um dos seus mais graves desequilíbrios.

Todos esses fracassos determinam uma situação mundial extremamente difícil que exige uma profunda reavaliação dos princípios filosóficos, metodológicos, econômicos e políticos que orientaram esta ofensiva ideológica, militar, econômica, política e cultural inspirada na idéia do unilateralismo assentado no poder hegemônico estadunidense e numa vitória da ideologia do livre mercado, que fez o pensamento "científico" retroceder ao Século XVIII e instituiu o fim da História, terminando em sua negação ao descobrir a ameaça do "choque de civilizações" com o qual se quer explicar o caos gerado por esta operação fracassada de controle mundial.

O atentado ao vice-presidente dos Estados Unidos, ao revistar suas próprias tropas no Afganistao, pretensamente pacificado, mostra o grau de insegurança ao que chegou o superpoder unilateral. É hora de colocar a realidade de pé e abandonar esses delírios ideológicos.


www.monitormercantil.com.br - 06/03/2007 - 22:03

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