www.monitormercantil.com.br - 14/12/2007 - 20:12
Theotônio dos Santos/Cientista social
Classe média cresceu 137% na Venezuela com Hugo Chávez
A classe média aumentou em 137% sua participação na sociedade daquele país desde o início do governo Chávez. O dado é citado pelo cientista social Theotônio dos Santos para ilustrar as transformações em curso na América Latina. Embora seja um dado público, ela, porém, teve pouca divulgação na mídia.
Intelectual brasileiro com destacada participação na formulação da Teoria da Dependência, Santos salienta que os últimos prêmios Jabuti de Literatura - atualmente o mais tradicional e importante prêmio literário do país - anunciam a volta da América Latina ao mundo editorial brasileiro.
Coordenador da Cátedra e Rede Unesco/UNU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen) e integrante do Conselho Editorial do MM, ele pondera nesta entrevista exclusiva que todo esse processo mostra que "estamos avançando muito ideologicamente", voltando a discutir questões estiveram apagadas pelo pensamento único nos últimos anos.
"Os responsáveis por esse tipo de postura, agora, nos acusam de pensamento único e de ditadores, quando foram justamente eles os principais responsáveis por isso", critica, observando que "esse tipo de tergiversação tem pernas curtas".
O governo venezuelano garante que a participação da classe média na sociedade daquele país cresceu 137% no governo Chávez . O senhor referenda essa afirmação?
Sim. As classes mais baixas são os setores que estão ganhando mais. Há um grande desenvolvimento das comunidades, que estão se auto-dirigindo e programando amplamente o desenvolvimento, atuando em mais de 15 áreas, com recursos do governo. A classe média alta não tem vida comunitária forte, não é diretamente afetada pelo processo. Ademais, há preconceito e medo de perder certas vantagens, o que os mantêm em posição mais contrária ao governo.
Qual sua análise da vitória, ainda que apertada, do "não" no plebiscito sobre a reforma constitucional na Venezuela?
Creio que a discussão do plebiscito mostrou que dentro do apoio ao governo Chávez existem duas facções: uma que pretende levar mais longe o processo que está em curso e uma mais moderada. Essa divisão levou à vitória do "não", além de um grande segmento que não compareceu por estar confuso pela própria divisão no interior do governo. O processo de transformação, mesmo de maneira mais moderada, conta hoje com apoio de 65% a 70% da população. E, com isso, a oposição também está dividida entre os que querem partir para o confronto e os que aceitam o uso do voto. Pode agora surgir uma força de centro, mas creio que o apoio da população ao governo fará com que esse grupo continue girando em torno das teses de Chávez.
O que muda, então?
Quem tem feito a agenda é o Executivo. A partir de agora, essa tarefa caberá, principalmente, ao partido socialista. É uma situação nova, pois o governo, agora, conta com dois elementos de organização: comunitária e partidária, além das corporativas. Exercerá um papel aglutinador e o processo vai ganhar profundidade. Não ter conseguido passar todo o programa de reformas atrasa um pouco, mas a direção continua clara. É algo difícil de medir, a população calibrou a velocidade. Mas é um processo altamente democrático, com debate de idéias muito forte, já que o governo trabalha com discussão permanente com a população.
Essa participação se estende à esfera cultural?
Sim. E a edição de livros faz parte dessa nova fase de debates que a população está vivendo, bem como os setores intelectuais.
A imagem negativa que se vende de Hugo Chávez pode prejudicar o processo de integração regional?
Pelo menos da parte da Venezuela, o desejo (de integração) é muito forte. Há setores da própria classe dominante que estão interessados. Acho difícil que um grupinho atrasado possa conter uma vontade tão forte.
O senhor tem sublinhado que os temas latino-americanos e do desenvolvimento voltaram a ocupar um papel protagônico na produção cientifica brasileira. Acredita que nossa mídia acompanhará um dia esse processo?
A mídia vem devagar, porque tem um grupo conservador muito forte que controla os editoriais. Esse grupo continua sendo o principal dentro da mídia, mas vem perdendo legitimidade. O país está se voltando para a necessidade de retomar o desenvolvimento e esse pessoal aparece com mil questionamentos, porque representam um pensamento cujos anos de poder se traduziram em estagnação, exclusão social, aumento da desigualdade, da dependência. Trata-se de uma contra-revolução. Estão querendo voltar ao passado liberal superado desde a crise de 1929. É engraçado apresentarem esse retorno como se fosse a modernidade. Esse é o aspecto mais ridículo.
Há participação sua nos dois livros ganhadores do Prêmio Jabuti. Qual sua opinião sobre eles?
São duas publicações muito importantes. Enciclopédia Latino-americana (Editora Boitempo), melhor livro de não-ficção, que reúne autores da região e traz uma novidade grande, porque pega todos os aspectos, culturais inclusive, que permitem visão de bastante profundidade sobre região.
O outro, Celso Furtado e o Século XXI (Manole), homenageia nosso grande pensador sobre a questão do desenvolvimento, é uma produção conjunta da UFRJ e da Rede Celso Furtado, uma instituição latino-americana e européia. Trata do problema do desenvolvimento tal como se apresenta hoje. Meu artigo é mais voltado para a questão da aliança política que sustenta essa volta ao desenvolvimento, que uniu segmentos produtivos que estão sendo devorados pelo setor financeiro, e segmentos mais populares.
Acredita na vitória da produção sobre o rentismo?
Há muito tempo venho mostrando que desde os anos 90 o mundo retomou uma trajetória de crescimento que permite desenvolvimento mais aberto e que deve ser bem aproveitado. Criamos um grande excedente que está paralisado nesse momento na forma de reservas que, entretanto, podem permitir um grande avanço em termos de investimento, de uso dos recursos para absorção de tecnologia. Com esses recursos, poderemos entrar numa dinâmica forte de crescimento. E setores da própria classe dominante se beneficiarão também.
Há mudança de rumos no governo governo Lula?
Sim, mas ainda não é radical. O Banco Central (BC) continua na mão do mesmo grupo que destina 30% dos recursos do país para pagar juros. Não se pode nem mais dizer que é para atrair capitais, porque temos excedentes. Agora, a desculpa é de que precisamos segurar a inflação, mas a taxa de juros praticada hoje é inflacionaria. Quanto mais os juros caírem, deixando de ser instrumento de concentração de riqueza em alocações inúteis, a queda da taxa será deflacionária.
Rogério Lessa
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