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sexta-feira, 26 de junho de 2009

BCs independentes viram linhas auxiliares da especulação global

www.momitormercantil.com.br - 19/09/2008 - 20:09

Para o coordenador da Cátedra e Rede UNESCO/UNU de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen), Theotonio dos Santos, a independência dos bancos centrais transformou o setor público em linha auxiliar da especulação financeira: "A crise financeira que estamos presenciando começou a ser construída no final da década de 70, quando o setor privado conseguiu impor mecanismos de desregulamentação fortes, tendo os BCs como principal suporte."

Ele frisa que a crise atual é de liquidez e que alguns países emergentes asiáticos e árabes, liderados pela China, hoje detêm essa liquidez e estão em condições políticas de alterar a correlação de forças mundial:

"A causa do problema não é apenas falta de regulação, mas o uso de recursos do Estado para apoiar a especulação financeira", disse, lembrando que os bancos japoneses na década de 80 se tornaram os dez maiores do mundo, "mas quebraram e o Estado japonês converteu-se num dos mais endividados do mundo, com dívida pública de 100% do PIB, de US$ 3 trilhões."

O coordenador do Reggen avalia que, ao contrário do que pregam os defensores da independência dos BCs, essas instituições devem estar sob forte influência política: "A sociedade tem de ter voz para condicionar os recursos do Tesouro. Esse controle da população vai contra todos esses anos de neoliberalismo, quando a palavra investimento ganhou novo significado: cassino de jogos econômicos, na bolsa e em títulos públicos. E um cassino de cartas marcadas, porque o Estado sustenta."

De acordo com Theotonio, só quem corre risco nesse jogo são os "trouxas", que compram produtos financeiros que os bancos criam: "O sujeito que quebrou o Lehman Brothers saiu com US$ 500 milhões. O pior é que essas pessoas quebram países, com o Estado subsidiando."

Dólar

Para o coordenador do Reggen, que integra o Conselho Editorial do MM, neste momento o dólar já não é a única moeda de referência mundial, dividindo com o euro esse papel. Ele acrescenta que, no futuro próximo, o iuan se juntará a essa cesta de moedas de referência.

"Na década de 80, o dólar chegou a cair 40%, mas os bancos japoneses compraram títulos norte-americanos e reduziram essa desvalorização para 20%. Agora, países com enormes reservas em dólar procuram novamente minimizar essa queda, ofuscando a verdadeira dimensão da crise. Mas a recuperação do dólar que vem ocorrendo nos últimos meses é apenas temporária", observou.

Theotônio frisou que, na Ásia, o iuan já é a moeda de referência, inclusive para o Japão, que tem na China seu maior mercado, tendo superado as importações dos EUA.

Ele lembra que o iuan não se valorizou no mesmo ritmo do euro e, portanto, ainda tem muito a subir. No entanto, os chineses ainda não abriram espaço para investimentos financeiros porque as exportações ainda eram o carro-chefe do crescimento. Hoje, no entanto, o país está reorientando o dinamismo para o mercado interno.

Brasil

A fragilidade do Brasil, segundo o coordenador do Reggen, estaria no curtíssimo prazo de rolagem dos títulos públicos, extremamente concentrados em vencimentos até 90 dias: "E ainda criaram uma reversão - swap reverso - que garante o ganho do especulador até quando o dólar cai. O Banco Central (BC) brasileiro está numa posição de total ilegalidade", frisou.

Isso porque, frisou, apesar da Lei De Responsabilidade Fiscal (LRF), a política monetária "não dá satisfação a ninguém". E o governo, segundo Theotônio, "tem de arrumar dinheiro para cobrir" - fazendo superávit primário. "Mas se um governador construir uma escola sem base orçamentária vai preso", acrescentou.

Regulação

Theotonio está certo de que algo deverá ser proposto para regular o sistema financeiro, mas haverá conflito com os BCs independentes: "Está claro que os BCs protegem a especulação e, no estouro da boiada, tiram dinheiro do Tesouro e impõem taxas de juros que travam o crescimento e políticas de prelo emprego."

Para ele, a regulação deve estar sob estrito condicionamento político, mas essa decisão contará com a resistência da Europa também: "A Europa também faz parte do império e tem feito política contrária ao próprio desenvolvimento. Essa postura ajuda a financiar gastos militares e representa fator negativo para o ordenamento da economia mundial", criticou.

Nova ordem

Se a crise atual é de liquidez, Theotonio salientou que, "quem tem liquidez, está em condição de sair pelo mundo comprando ativos". Ele espera que surja uma nova ordem mundial, mas avalia que os detentores do poder (liquidez) ainda não têm muita clareza sobre como atuar no campo financeiro.

"Entrar como supridor de liquidez neste momento é um poder enorme, que poderá fazer os países ricos abrirem mão das restrições à venda de suas empresas. Mas o pensamento marxista nesse setor é mais crítico do que operacional. Os chineses de repente têm US$ 2 trilhões na mão, mais liquidez do que EUA e Europa juntos, porque os US$ 500 bilhões de ajuda para bancos não serão usados, são apenas para compor fundos, contabilmente, pois se fossem usados, provocariam uma inflação colossal."

O coordenador do Reggen avalia que essa é uma questão para a transição do capitalismo para um sistema mais próximo do socialismo, o que exigiria uma teoria para o "capitalismo de Estado".

Ele destacou que, excetuando as dez primeiras, as estatais se tornaram as maiores empresas do mundo: "O capitalismo de Estado está se tornando uma força multinacional. Esse excedente está nos fundos soberanos também. A questão é decidir onde alocar esses recursos, pois ainda não houve uma clara associação dos interesses de asiáticos, árabes e russos, que detêm mais volume de capital."

Ele lembrou que a China está investindo na África, enquanto os árabes aportam a maior parte dos recursos na própria Ásia: "Com US$ 50 bilhões, se faz uma transformação radical na África. A América Latina também tem grande potencial de crescimento, até porque o FMI não tem mais condições de controlar a política econômica na região. Então, quem tem liquidez pode optar sobre que mundo vai querer construir", resumiu.

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Rogério Lessa

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